Mineirices

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 27/07/2025
Horário 05:00

Uma semana marcada por um delicioso pão-de-queijo na casa de Dona Zelda - um lugar para saborear as mais deliciosas iguarias de Minas no Copan, edifício-símbolo do centro histórico de São Paulo. Do lado, uma cestinha de palha e seus pães, broas e biscoitos de polvilho. A mesa coberta com toalha de plástico florida (ou bordada à mão), com potes de requeijão — um com requeijão, o outro com feijão. Tinha também uma manteigueira amarelada, uma faca cega que cortava tudo e uma caneca esmaltada com dentinhos no esmalte. 
Escuto um “uai” na encruzilhada, e um “nó” no pé da ladeira. Lembro que cada esquina é um segredo, cada “trem” tem sua bandeira. E lá se foi a minha imaginação para a cozinha da minha avó mineira com seus ladrilhos antigos, com marcas de gerações que passaram descalças. As paredes guardavam panelas penduradas, com nomes próprios: a de fazer feijão, a de fazer angu, a do doce de leite que nunca queima quando se mexe. O rádio tocava um modão antigo, e o relógio de parede fazia seu tic-tac teimoso.
Você sabe, né? Fazer pão-de-queijo bem mineiro, do tempo da vovó, é mais do que seguir receita: é quase um ritual de afeto — cheiro de queijo curado e conversa boa na cozinha. O polvilho numa bacia grande (tipo daquelas de alumínio da roça). O leite com o óleo e o sal. Depois de levantar fervura, tudo junto sobre o polvilho. Mistura enérgica com uma colher de pau até formar uma farofa morna. Espera até esfriar um pouco (pra não cozinhar os ovos). Acréscimo dos ovos um a um, misturando bem até a massa ficar lisa e grudenta, mas que desgruda das mãos. Queijo ralado sovado com a mão até incorporar bem. 
Dizia vovó: “O queijo é a alma do pão-de-queijo. Quanto mais curado
, mais saboroso”. Mãos untadas com óleo, fazendo bolinhas do tamanho de um ovo de codorna ou maiorzinho, levados ao forno bem quente até crescerem e ficarem com aquela casquinha crocante por fora e o coração puxa-puxa.
 Aquela fala mansa, com silêncios que conversam, e carrega no balaio as palavras que atravessam. Diz “arreda”, diz “cumpadi”, diz “num dou conta não”, mas vai. E o amor que não se diz, expressa pelas mãos que fazem mais. Porque em Minas tudo cabe: fé, fartura e simpatia. E até a dor, quando aparece, senta quieta na cozinha e embala lembrança, sonho e saudade. Então eu sirvo em silêncio uma fatia de pão-de-queijo como antigamente. Porque a broa, o curau de milho e tantas outras iguarias de Minas tem gosto de agora — eternamente.

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