Moderação: a virtude política por excelência

OPINIÃO - Leonardo Delatorre Leite

Data 18/10/2022
Horário 05:00

A fundamentação teórica do chamado republicanismo inglês, matriz filosófica extremamente eminente para a conjuntura das revoluções inglesas do século XVII, foi construída a partir de três concepções cruciais, a saber: a liberdade enquanto autogoverno, o ideal de governo misto (posteriormente denominado de moderação política) e o chamado império das leis. Tais ideais auxiliaram na formação das bases axiológicas do Estado democrático de Direito contemporâneo, quais sejam: a superioridade da lei, a supremacia da Constituição e a liberdade comum ou comunitária. 
A conjugação dos valores em questão são imprescindíveis para a prosperidade do regime democrático. Não obstante, um dos princípios supracitados acaba por ocupar uma posição de destaque, pois atua como critério de aperfeiçoamento dos demais. Trata-se da moderação, que guarda uma conexão íntima com o chamado governo misto. Ademais, sem a moderação, a democracia se torna um mero instrumento da tirania da maioria  e da promoção de radicalismos tétricos.
Num primeiro momento, é premente a explicação acerca do governo misto, ideia presente na filosofia política aristotélica e no republicanismo de Cícero, pensador romano estoico. Em termos gerais, trata-se da compreensão segundo a qual um bom governo envolve elementos e aspectos de diversos regimes políticos, sobretudo, com o intuito de evitar os males próprios de formas específicas de governo. Para os filósofos da Antiguidade Clássica, os males supracitados implicariam uma corrupção, isto é, a degradação de determinados regimes de organização política. A degradação é uma consequência da primazia de uma única forma de governo, incapaz de abarcar a complexidade dos anseios e problemas sociais. Desse modo, um governo misto evitaria a corrupção, pois, ao reunir elementos e traços de diversos regimes políticos, atenderia melhor às nuances da vida social.
Nesse sentido, a presença de valores democráticos evitaria a corrupção da monarquia em tirania e a existência dos traços aristocráticos impediria a corrupção da democracia em demagogia. Diante do medo dos pensadores contemporâneos da conversão da democracia em uma ditadura da maioria, o ideal de governo misto serviu de base para a construção da noção de política da prudência e da valorização da moderação como a virtude política por excelência. 
Dessa forma, pensadores como Edmund Burke e Russell Kirk, valendo-se das lições do republicanismo inglês e do Barão de Montesquieu, jurista francês, justificaram a prudência e a moderação como ferramentas importantes para o exercício da liberdade, pois os radicalismos favorecem despotismos. Sob essa perspectiva, é importante ressaltar que o traço constitutivo da política, num regime democrático, é a busca por consensos na esfera pública para a promoção de princípios elementares em prol da dignidade humana, do mínimo existencial e do bem comum. Desse modo, as radicalizações ideológicas geram narrativas maniqueístas, as quais encaram posições contrárias politicamente como inimigos a serem combatidos a todo custo e, por conseguinte, impedem a construção da esfera pública e consolidação da liberdade comum. 
Diante dos fatos supracitados, percebe-se que a moderação é um valor indispensável para o desenvolvimento saudável do regime democrático e tipifica uma forma de evitar a conversão da democracia em pseudodespotismos, ou seja, um espaço de desenvolvimento de meros radicalismos funestos. Enfim, a moderação é condição de aperfeiçoamento da esfera pública e da superioridade da lei. 
 

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