Nas curvas da estrada de Camboriú

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 26/07/2022
Horário 07:00

Viajar para mim foi e sempre será um acontecimento. 
É um aprendizado de vida que meus pais me deixaram: apesar de questões financeiras, técnicas ou pessoais, sempre que possível encontre uma forma de conhecer novos lugares, pessoas, de aprender mais sobre o mundo! Saia do seu lugar, mesmo que por alguns dias.
Nos décadas de 1980 e 1990 foi quando aprendi o valor e a alegria em viajar. O orçamento era apertado, mas sobrava boa vontade e uma boa dose de coragem. 
Afinal, quem hoje pensaria em encarar uma viagem de 900 quilômetros em média, entre Junqueirópolis e Balneário Camboriú (SC), em um Fusca, ou na Brasília do vizinho e amigo da família, Iaderozza? E ainda passava em Curitiba (PR) para pegar a tia Rose. 
O mundo em viagem era como um bom filme de aventuras. Tinha a expectativa em ver se casa alugada seria mesmo um lugar razoável, afinal o negócio foi fechado basicamente na confiança de alguém que você nem sabia quem era. “É pertinho da praia. Só três quadras”, diziam eles. Aí a gente descobria que em Camboriú as quadras tinham quase um quilômetro cada. “Tem três quartos, sim”, diziam eles. Mas o terceiro quarto era fora da casa, ao lado do rio de esgoto que passava ao fundo. E dá-lhe procurar lugar para ficar. E isso todo ano! Por mais de 20 anos! 
Eu e meu irmão, Carlos Henrique, sofríamos? De jeito nenhum. Tudo era diversão. Ver a estrada, os caminhões enormes, a descida da serra, o ouvido entupido, o frangão com farofa da mãe para comer em algum recanto, o frango empanado com suco de uva do Sinuelo, as brigas entre nós, o pai gritando, o amigo contando piada e a mãe dizendo que íamos voltar mais cedo pra casa. 
Na praia, a comida quase sempre não era em restaurante, afinal já estávamos viajando e a gente queria comer fora ainda? Mas eu duvido que algum restaurante servia macarrão com sardinha ou frango melhor do que o que a mãe fazia e a gente comia lá pelas três da tarde depois de chegar da praia. Aliás, tomava banho antes, passava um quilo de Caladryl por conta das queimaduras do sol, e aí sim comia para depois dormir um sono dos deuses. À noite, andar na praia, assistir ao show do homem com o gato no saco ou de algum grupo peruano, tomar sorvete e andar quilômetros. 
Tudo para dormir cedo e acordar logo para curtir mais um dia até ir embora e chegar na cidade onde morava com a sensação de que éramos astros! Bronzeados, intocáveis, com roupas novas, tornozeleira de búzios e tatuagem de chiclete. Alguns dias de fama para contar a todos o que era o mar e a praia.
Eu até queria que meus filhos vivessem isso da mesma forma, mas a vibe deles é diferente hoje. Digitalmente diferente, aliás, porque eles se contentam em conhecer o mundo e pessoas que estão atrás da tela do celular. A gente não. Não víamos a hora de enxergar o mundo ao vivo e em cores
Será que aproveitam? O Pedro diz que vê as paisagens mesmo com o celular no joguinho. Mas confessa também que a Maria só vê paisagem quando acaba a bateria. 
Sei lá, o fato é que não me preocupo muito com a forma de aproveitamento deles. O que quero é passar aos dois o legado que recebi dos meus pais: viajar é preciso.
Como diz o Chico, que sempre tocava no Rodstardo Fusca:

“Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar”
 

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