Nós, invisíveis!

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 04/10/2025
Horário 04:30

A pequena e bela cidade, toda arborizada e repleta de prédios modernistas, espalhada, como se sabe, por todo o Estado, ocupava pouca importância na vida nacional, apesar, contudo, de sua incontestável contribuição ao campo das luzes, circunscritas, porém, muitas vezes, a si mesma e ao seu próprio universo. O fato é que, apesar de muitas contradições, vivia-se boa vida por ali, com sua população a cultivar hábitos refinados e cultos, no trabalhoso ofício do conhecimento e da verdade. 
A jovem cidade, com seus quase completos 60 anos, enfrentava, desde o início, mas de forma mais acentuada nos últimos tempos, situações certamente inusitadas, que soariam inverídicas, é preciso dizer, aos olhos de todos os viventes. O fato em si residia na suposta invisibilidade, provocada por alguns, em grande parte de sua laboriosa população, e desde então, fatos curiosos e que podem tomar grande notoriedade passaram a se dar, como poderão ver, nas linhas que seguem. 
Tudo começou com atividades que, para alguns, passaram a ser executadas como que automaticamente, como se feitas em passe de mágica. Reparos eram feitos em todas as instalações da pequena cidade, do dia para noite. Documentos eram redigidos, assinados, carimbados, enviados por malote, por e-mail ou por sistemas simples e eficientes. Carros andavam sem motoristas, enquanto seus passageiros, na sua douta e presunçosa sabedoria, fingiam não ver o trabalho por trás de tudo aquilo. Todos aqueles que trabalhavam deixaram de ser enxergados por aqueles que podiam experimentar o ócio digno, no alto das suas supostas superioridades. 
As demandas, constantes, cresciam dia a dia, haja vista a eficiência do trabalho invisível. Pedidos inusitados eram feitos pelos luminares, imprima 737 cópias e grampeie para mim. Escreva 67 e-mails para hoje. Leve passageiros sapientes nas suas casas, onde quer que sejam, e voltem já. Na cabeça de alguns, corriam decretos, que só alimentavam suas vaidades vazias. Não existam, não falem, não tenham sentimentos, família, nem nada, não sejam ninguém, só nós, poucos, somos alguém. Sentidos, os invisíveis só podiam fazer o mesmo, e quase toda a cidade passou a uma profunda ignorância coletiva. 
Mas a vida viceja para eles, os realmente felizes, iguais e livres do ego e da vaidade que rondavam a pequena e isolada cidadela. Os visíveis, apenas para si mesmos e para outros pouquíssimos, viviam sofrendo, porém, na busca de ser mais e melhor do que seus pares. É interessante a que disparate se dão os homens, à busca de uma pequena visibilidade, aniquilam a si mesmos, na vida corrente, vivem para o trabalho, alimentando a vaidade da carreira que acham superior. 
Talvez por isso mesmo, muitos desses, não todos, esquecem de enxergar a beleza e a importância do outro, do próximo, com quem dividimos a breve vida, em momentos de cooperação e pura irmandade nessa inexplicável existência a que dedicamos nossos dias vazios. 
 

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