Cheguei a Buenos Aires no dia 4 de agosto, para um intercâmbio acadêmico que realizo pela Universidade Nacional de Quilmes, através do meu curso de Geografia na Unesp (Universidade Estadual Paulista). Desde então, estou vivendo uma rotina completamente nova — em outra cidade, outro idioma, outra lógica de cotidiano. E é sobre esse início que escrevo agora, ainda que no meio de uma gripe que me tirou o sono e me obrigou, já nos primeiros dias, a experimentar o sistema de saúde argentino com o apoio do seguro viagem.
A verdade é que adoecer longe de casa não é fácil. Não é só o corpo que sente: é a mente que se inquieta, o peito que aperta, o pensamento que volta para o conforto de onde viemos. Mesmo morando com pessoas solidárias e abertas ao diálogo, como Juliana e Mateo — que me receberam na casa em Parque Chás —, a sensação de deslocamento continua presente. Não estamos no lugar que conhecemos. Não temos os cheiros, os sons, os hábitos de sempre. E, talvez por isso mesmo, cada gesto de cuidado, cada prato que cozinho pela primeira vez na nova cozinha, cada caminhada pelas ruas tranquilas desse bairro residencial ganham outro valor.
O intercâmbio é também isso: o que acontece nos intervalos das aulas. As aulas, aliás, começam oficialmente no dia 12, com disciplinas que abordam pedagogia social, discurso, gênero e práticas coletivas. O que me instiga é que, enquanto esse calendário não começa, é a cidade que ensina — com suas rotinas apressadas, seus cartazes de greve nos hospitais, suas calçadas cobertas de folhas secas. Buenos Aires tem uma pressa que se parece com a de qualquer outra cidade latino-americana. Os problemas estruturais são semelhantes. E estar aqui é como ver, de fora, o mesmo filme que passava por dentro de mim no Brasil.
Hoje foi o primeiro dia em que consegui usar a cozinha, fazer minhas compras e buscar os remédios. É pouco, talvez, mas é também um marco. Um sinal de que a adaptação está acontecendo. Lenta, silenciosa, mas real.
Escrever este texto é também parte desse processo. Compartilhar o que se sente, ainda mais nos dias em que o corpo adoece e a alma se recolhe, é uma forma de afirmar que estamos vivos, que seguimos em movimento — mesmo que um pouco mais devagar. E, talvez, seja justamente nesse ritmo mais humano que as experiências mais sinceras acontecem.