“Querido Junião. Como vai você? Eu estou bem. Estou escrevendo apenas para que você saiba que ainda estou em férias, igual a todos aqui em casa. O trabalho mais pesado aqui é juntar a tralha para ir jogar bola. Eu estou escrevendo bem devagarzinho porque sei que você não consegue ler bem depressa.
O pai arrumou um emprego maravilhoso. Tem mais de 1.500 pessoas embaixo dele. Ele agora é jardineiro do cemitério. A minha namorada deu à luz hoje de manhã. Ainda não sei se é menino ou menina, por isso na posso dizer se você é titio ou titia.
Como a tia Rose deixou de pagar a prestação do sobrado, está sendo despejada. Ela não está muito preocupada porque por enquanto só despejaram o tio Dú.
A mãe e o pai foram ao médico na segunda-feira. O doutor colocou um canudinho cheio de marquinhas entre os dentes da mãe e disse para ela ficar com a boca fechada e não falar por cinco minutos. O pai quis comprar o canudinho dele.
Apesar de não querer, a vizinha acabou tendo um filhinho. Parece que a empregada trocou a caixinha de pílulas por um frasco de adoçante e ela teve o bebê mais doce deste mundo. Agora ela jura que nunca mais vai engravidar. Está usando aspirina. Uma só, que ela segura bem firme entre os joelhos.
Esta semana só choveu duas vezes: de segunda a quinta e de sexta a domingo.
Como sei que você está querendo mudar de emprego, li um anúncio no jornal que você não pode perder. O salário é alto e o cargo é de chefia. Não sei bem qual é o trabalho, mas estava escrito bem claro, em letras grandes: ‘Inútil se apresentar sem referências’. Como você sempre foi inútil e nunca teve referência nenhuma, será perfeito.
Vou acabar de escrever esta carta porque o pai só comprou 100 gramas de mortadela e o papel está acabando. Se mesmo assim você continuar lendo, desconsidere porque é propaganda da padaria. Abraços.
PS – A mãe queria aproveitar e mandar alguns tickets-refeição para você, mas acontece que eu já fechei o envelope.”
Encontrei esta carta em meus arquivos. Ela foi enviada a mim pelo meu irmão Carlos Henrique Mancuzo, que na época morava em Ourinhos (SP), e escrita num desses papéis que o padeiro usa para embrulhar frios. E se não me engano, este texto já saiu em algum lugar. Causos de família!