O belo nunca morre

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 15/01/2023
Horário 05:00

Cena 1. Eu tinha 12 anos e acompanhava a leitura em voz alta de um poema pelo Prof Ruy. Ele explicava que cada linha de um poema representa um verso e que uma estrofe é o conjunto de versos do texto poético. Daí ele começou a recitar o poema, demonstrando como o ritmo imposto pela métrica e pausas entre os versos transformava o texto numa espécie de canção. O problema é comecei achar muito engraçada aquela situação e procurei me esconder por detrás do livro. Quando eu me dei conta, aquele senhor de cabelos branquinhos já estava na minha frente, com as bochechas vermelhas e olhos fuzilantes... que constrangimento!
Cena 2. As aulas de história de arte que eu tive no colegial eram imperdíveis. Havia uma sala ambiente reservada para esses encontros especiais com o mestre Gilson Pedro, que cuidava de criar com muito esmero uma atmosfera absolutamente encantadora. Deitávamo-nos descontraídos em confortáveis almofadas na sala à meia-luz. Ao som do claro e límpido coral gregoriano, cujo volume oscilava para que fosse possível escutarmos as explicações do professor, ficávamos ali sem a preocupação com o mundo lá fora, diante dos afrescos medievais e renascentistas. 
Cena 3. Era um pequeno grupo de estudantes de Geografia da Unesp em viagem pelas cidades históricas de Minas Gerais. Naquela tarde fomos para a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto. Foi lá que nos encontramos com a genialidade do Mestre Ataíde, especialmente aquela obra-prima que está no teto da nave central da igreja: a Assunção da Virgem Mariae sua orquestra de anjos com traços afrodescendentes. Deitados nos bancos para contemplar aquela pintura que havia sido restaurada há pouco tempo, repentinamente, o grupo foi puxado para dentro daquela cena, saltando aos olhos a emoção e o drama das cores fortes e contrastantes, os diferentes instrumentos musicais nas mãos dos anjos músicos, o movimento de fuga expresso pelo enquadramento das colunas... 
O que essas cenas têm em comum? Não há como negar a importância da arte enquanto campo de ação que move a sensibilidade, a intuição e a imaginação. E como é incrível o papel da escola no aprendizado da apreciação artística!
Bem, infelizmente nós terminamos essa semana marcados pelas notícias chocantes que vieram dos palácios de Brasília. Bárbaros esfaqueando o famoso painel de Di Cavalcanti, a destruição completa do relógio de valor inestimável de Dom João VI, o sumiço da escultura “Bailarina” de Victor Brecheret. Mas a boa notícia é de que nove de cada dez brasileiros condenam tamanha insensatez, nos lembrando de que “o belo nunca morre, transforma-se em outra beleza”. 
 

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