O homem que lia demais II

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 21/06/2025
Horário 04:30

Comumente, observa-se que o leitor desmedido pode ser acometido de certo pessimismo e dificuldades, inerentes, de lidar com a vida prática. Nosso personagem, por exemplo, vinha desenvolvendo dificuldades na comunicação, sua dificuldade, era, em realidade, a de achar as palavras certas para qualquer assunto, quando interpelado. Se perguntavam do clima e outras amenidades, a resposta vinha pronta e às vezes, ácida. Mas, se a pergunta tinha tons filosóficos, do tipo, o que pensas da vida (pergunta corriqueira diante do seu estilo de vida incomum) a resposta ou demorava vir ou não vinha, diante das dificuldades em encontrar a palavra certa. 
Certa vez, em que fora ao supermercado, e aparentemente, vinha bem de saúde e de compleição física geral, fora surpreendido, por um velho amigo, que perguntara? 
___ E daí, como vão as coisas caro amigo? 
___ Hum, bem, é... não sei, posso dizer que sim, ou não, talvez, quem sabe, a depender do ponto de vista, podemos ser otimistas, não sei, veja só, ontem mesmo li nos jornais que... quer dizer, tudo é possível, viu aquele último livro que levou o jabuti? Meu Deus, onde vamos chegar? O Irã, afinal, sempre me pareceu um país poderoso de maneira que tenho receio, é, quer dizer, não sei, o que acha? 
A resposta poderia ser simples, tal como o clássico, vou bem obrigado, ou, tenho estado bem, apesar de um resfriado persistente, ou ainda, vou melhor que você, entre outras respostas amenas e cotidianas. No entanto, para o leitor, simples pergunta poderia se tornar verdadeiro tormento. A esse questionamento, lhe vinham inúmeras possibilidades de resposta, de modo que, as coisas podiam ir mal em filosofia, que não apresenta novidades desde Deleuze, ou, podiam ir mais ou menos na literatura, cheia de novidades, é verdade, mas nenhuma delas próxima, ainda que infimamente, dos grandes clássicos. Se o pensamento o levava para o noticiário, bem, nesse caso, não poderia haver resposta positiva, são as mudanças climáticas, as guerras, os problemas econômicos. Em geral, a resposta vinha, mas, incompleta e inconclusa. O interlocutor, à primeira vista, o via com olhos de desconfiança, afinal, sua razão parecia confusa. 
___ Vejo que traz muitos assuntos na cabeça, e as crianças, não as vi mais, estão bem não é mesmo? 
____ Ah sim, as crianças, sabes que a psicologia tem revisado os critérios do que seja uma criança? Bem, os historiadores já mostravam a relatividade dessa consideração, entre o medievo e a modernidade, bem, hoje, temos uma adolescência que adentra a vida adulta, bem, meus filhos, são adultos, já tenho até netos. Você sabe que César não teve filhos? César, o imperador? Pois bem, Napoleão teve bons filhos com Josefina, dia desses li que o Musk tem 14 filhos, curioso, eu mesmo tenho três, não sei você, mas acho um absurdo que hoje em dia as crianças não tenham o hábito da leitura, certa vez, há muitos anos, fomos em uma livraria, comprei exemplares do Júlio Verne, distribui às crianças lá de casa, só a mais velha leu, os outros, que decepção. Vão bem, apesar isso, nunca aceitei meu filho contador, já viu essa, ganhar dinheiro para contar o dinheiro dos outros, uma indignidade isso... 

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