Em “Os Engenheiros do Caos”, Giuliano da Empoli mostra como o populismo digital não nasce por acaso, mas de uma engenharia sofisticada que combina dados, algoritmos e estratégias de comunicação milimetricamente calculadas. Fake news, teorias da conspiração e mensagens de ódio não são falhas do sistema: são o próprio combustível de um novo modo de fazer política, que vive do engajamento emocional.
Nesse cenário, as big techs ocupam papel central. Suas plataformas foram desenhadas para capturar a atenção do usuário, prolongar o tempo de tela e maximizar o engajamento. O problema é que os algoritmos descobriram — e nós também — que nada engaja tanto quanto a raiva, o medo e a polarização. O ódio gera comentários, discussões intermináveis, compartilhamentos em massa. E cada clique significa mais anúncios exibidos, mais dados coletados, mais lucro.
Os algoritmos das redes sociais não criam ódio ou ressentimento do nada. Eles identificam o que há de mais sombrio no coração humano — medo, rancor, preconceito, intolerância — e transformam esses impulsos em combustível de engajamento. Em vez de desestimular tais sentimentos, as plataformas os amplificam, porque é disso que vivem: quanto mais indignação, mais cliques; quanto mais raiva, mais compartilhamentos; quanto mais polarização, mais tempo de tela. O que antes ficava restrito ao íntimo ou à conversa privada agora ganha palco e audiência em escala global. Assim, preconceitos e ressentimentos deixam de ser reprimidos e passam a ser validados, dando coragem a quem antes se calava e tornando o espaço público um campo fértil para os piores instintos humanos.
Em diferentes momentos recentes — seja em disputas eleitorais ou em crises globais — vimos como o medo e a raiva podem ser explorados em escala industrial. As plataformas não apenas deram visibilidade a esses sentimentos: transformaram-nos em combustível de engajamento, provando que nada prende mais a atenção do que a indignação. O caos social, mais uma vez, foi convertido em lucro.
O dilema ético é evidente. As big techs, em teoria, se dizem comprometidas com a democracia e a integridade do debate público. Na prática, seus esforços de moderação são tímidos, reativos e muitas vezes simbólicos. Isso porque combater de fato a desinformação e o discurso de ódio implica reduzir engajamento — e isso significa perder receita. O conflito de interesses é estrutural: quanto mais polarizada a sociedade, mais tempo as pessoas passam brigando nas plataformas; quanto mais se espalham mentiras e teorias conspiratórias, mais usuários retornam para ver “a próxima revelação”.
As consequências são devastadoras. Famílias são dilaceradas, amizades se rompem, comunidades se fragmentam. Mas o efeito vai além do âmbito pessoal: quando a sociedade se divide em bolhas hostis, perde também sua capacidade de agir coletivamente em defesa da democracia. A fragmentação social é, portanto, não apenas um drama humano, mas um risco político.
Em “Os Engenheiros do Caos”, Da Empoli nos alerta: o populismo digital não é apenas obra de líderes carismáticos ou estrategistas obscuros. Ele é viabilizado por um ecossistema tecnológico que lucra com a degradação da esfera pública. O caos, portanto, não é acidente: é mercadoria.
A questão não é se, mas quando e como regularemos esse modelo de negócios. Porque, se nada mudar, seguiremos atravessando o mesmo caminho espinhoso: líderes que manipulam, plataformas que lucram, sociedades que se dividem — e a democracia que se desfaz diante de nossos olhos.