O ódio é cego

DignaIdade

COLUNA - DignaIdade

Data 02/02/2021
Horário 07:00

A temática racial pontuou a história do cinema e um dos pioneiros na abordagem do preconceito foi o filme “O Ódio é Cego” (No Way Out) de 1950 dirigido por Joseph L. Mankiewicz (que vinha de dois Oscars consecutivos por “Quem é o Infiel?”, de 1949, e “A Malvada” em 1950). Rodado em preto e branco que contribui para o clima sufocante e dramático do filme, ele conta a história de um jovem médico negro (Sidney Poitier) que atende dois delinquentes brancos feridos num assalto. Apesar dos esforços, um deles acaba morrendo e o outro (Richard Widmark), racista convicto, acusa o médico de tê-lo matado deliberadamente. A esposa do falecido (Linda Darnell) fica dividida entre os dois lados, enquanto gangues rivais fazem a questão racial explodir no bairro turbulento. Desequilibrado, o criminoso faz de tudo para se vingar do doutor. Intensamente atual, após 70 anos, soberbamente interpretado pelo elenco, no qual estreava o grandioso Sidney Poitier que se tornaria um astro do cinema.
 

“Sistemáticos e autoritários”

Todos nós precisamos de regras e ordens. A sociedade funciona com parâmetros e normas comuns que permitem o fluxo das ações e a coexistência pacífica dentre pessoas diversas. A sistematização social reflete-se em outros ambientes como a família, grupo de amigos e moradores do mesmo espaço. Contudo, também há limites para sistematizações duras e inflexíveis, onde tudo tem que ser regrado, repetido, condicionado a funcionar numa perfeição idealizada. Pessoas sistemáticas tendem a ser autoritárias, ou popularmente mandonas. Os sistemáticos podem utilizar este dom para suas vidas, de forma a serem organizados, terem planejamento de ações e previsão de resultados. O grande problema é que geralmente se extrapola isto ao outro, e o sistemático passa a impor a sua visão das coisas a quem os cerca. Revestem-se de autoridade agressiva e querem controlar as ações das outras pessoas para que tudo se encaminhe para um resultado que eles já definiram como melhor opção. Quando o autoritário se encontra em situações hierárquicas de exercer seu poder (quer sejam profissionais, familiares, econômicas ou físicas), o domínio e controle se exercem, mesmo que espalhando o terror. Algumas vezes prepotentes, outras vezes tirânicos, os autoritários confundem liderança com obediência. No entanto, a vida passa e os autoritários também envelhecem, vivenciando as mesmas perdas e dificuldades de outro idoso, até então subordinado ou subjugado. Os sistemáticos caminham quase que invariavelmente à ranhetice ou rabugice. Não percebem ou não aceitam inversão de posições ou papéis e se inflamam com aqueles que querem ousadamente usurpar-lhes o direito de mandar sempre. Em situações extremas de debilidades físicas ou orgânicas, com gradativa necessidade de dependência do outro, o autoritário sofre duplamente. E, muitas vezes, deixa mais difícil ainda o trabalho de um cuidador com excessos de ordens e manias. Também não é a hora de descontar no autoritário fragilizado pelas tiranias anteriores. Resta aos familiares, resiliência dupla para encarar com sabedoria e jogo de cintura, a arte de fazê-lo entender a necessidade de mudanças, pois a própria imposição de novas regras pode ser feita de forma agressiva e reversamente autoritária. 

Dica da Semana

Livros

“O Dilema do Porco Espinho”:
Leandro Karnal. Editora Planeta. Subtítulo: Como Encarar a Solidão. O intelectual e historiador Leandro Karnal faz reflexões sobre a natureza humana de viver só, por pouco ou muito tempo. Através de citações históricas, filosóficas, trechos de romances, e até mesmo da Bíblia, Karnal discute a solidão dando a sua interpretação contemporânea sobre o assunto. 
 

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