O trabalhador

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 13/09/2025
Horário 04:30

O sujeito foi à padaria buscar seus pães matinais quando, chegando lá, lembrou-se de não ter levado dinheiro ou cartões. Não querendo repetir o mesmo caminho e muito menos, ter de voltar sem seu carboidrato, pensou em negociar com o gerente uma possibilidade de levar seu sustento sem precisar pagar, digamos, nos moldes tradicionais. Perguntou, então, se não havia nenhum trabalho que pudesse fazer de maneira a compensar o irrisório valor cobrado pelos três franceses que pedira. O gerente, naturalmente, resistiu e apesar de, no início, ter considerado a ideia absurda, lembrou que a faxineira havia faltado naquele dia e que por isso o interior da padaria e a calçada estavam por varrer. 
Acordo feito e 30 minutos mais tarde, com o trabalho realizado, nosso personagem voltou para casa e pôde, enfim, desfrutar de seu costumaz desjejum. Analisando o feito, considerou as vantagens de semelhante expediente, ele que era um privilegiado homem de meia idade que, herdando bons recursos dos pais falecidos, nunca antes precisara trabalhar. Entretanto, considerando esse fato, considerando ainda que, os recursos, dispendidos diariamente, há, pelos menos uma década, eram passíveis de acabar, como era esperado para futuro próximo, resolveu que talvez pudesse aplicar esse método em outras ocasiões. 
Ainda naquele dia, na hora do almoço, fora almoçar em um restaurante das proximidades, simples, mas com comida de boa qualidade. Terminada a refeição, foi ter com o gerente, apresentando argumentos semelhantes dos da primeira vez. Apesar de relutância inicial, mais uma vez a proposta fora aceita, dessa vez, para lavar a louça do almoço, função tipicamente utilizada para fins semelhantes em diversas outras ocasiões. O sujeito realizou a tarefa com bastante acuidade, deixando o gerente satisfeito e ele ainda mais, congratulando-se pela dignidade de pagar seu almoço com trabalho duro. 
Feliz e empolgado com semelhante e corriqueira descoberta, pensou que talvez pudesse estender a prática a todas as suas despesas correntes e de fato, ainda que contando com resistências aqui e acolá, a notória escassez de mão de obra que o país vivenciava acabava por quebrar as resistências permitindo que a permuta de pequenos afazeres em troca do pagamento de pequenas despesas pudesse se realizar, na maioria das suas necessidades. 
Entretanto, nem todos os estabelecimentos aceitavam semelhante proposta, e em uma ocasião, contando com o aceite que normalmente vinha, o sujeito fartou-se e gerou grande despesa em um restaurante, desses finos e caros. No momento de pagar, a negociação foi dura e a resistência do gerente parecia inquebrantável diante das 5 centenas de reais a serem pagos. 
O sujeito argumentou, falou de suas habilidades, disposição ao trabalho, entre outros atributos, que de nada serviram para dirimir a recusa do administrador, que, por fim, perguntou ao homem se o mesmo detinha habilidades para além das manuais, quem sabe, pudesse fazer a contabilidade do nobre estabelecimento. O homem, nesse instante, desesperou-se, pois suas virtudes intelectuais se resumiam à enorme erudição na filosofia, na literatura e nas artes. Inúteis, como se sabe, aos olhos do capital. Restou-lhe a prisão, sob acusação de estelionato. 
 

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