Eu olhava desconfiado, mais uma vez, diante daquela atitude que me parecia contrária aos princípios do capital. Como assim, me perguntava, diante da décima vez que me direcionava até ali em busca do meu jantar, às 19h30, horário em que comumente fazemos as refeições por aqui. A resposta, desconcertante, era sempre essa: “O yakissoba já acabou, você acredita?”.
Acreditar eu até acredito, difícil mesmo é entender o que faz um pequeno empreendedor escolher trabalhar apenas das 18h até às 19h30, finalizando a produção dos seus saborosos alimentos justamente na hora do jantar, no auge da fome e da demanda sempre crescente por refeições acessíveis e de qualidade. A resposta, acompanhada de muitos sorrisos e uma certa alegria no ar, dava à cena seu ar de absurdidade.
O consumidor, eu mesmo, no caso, contrariado, acostumado às searas do pensamento capitalista liberal, tornou-se intolerante diante da nobre atitude do comerciante que escolheu trabalhar pouco, ganhar pouco e sorrir mais. Sim, todos sorriam e pareciam bem felizes encerrando as atividades no auge da noite, em pleno horário do jantar. Voltarei semana que vem, pensei, dessa vez, às 19h ou mesmo antes, pouco depois das 18h. Quem sabe assim consigo ser servido. A fome desconcerta, mas atitudes assim desconcertam mais ainda.
O que são as razões do outro senão um mistério insondável não é mesmo? Atitudes racionalmente calculadas de produção e consumo, trabalho duro, crescimento e expansão das vendas são verdadeiros baluartes da ideologia liberal que adoece a todos. Quisera todos nós fossemos assim, como o comerciante que abdica do lucro e certamente o mundo seria outro.
O que fazer? Cozinhar esteve fora dos planos desde o início, melhor então tentar outra coisa. Os pastéis pingam óleo, encharcados e a preço baixo. Os espetinhos têm origem duvidosa, sabe-se lá de qual parte do boi pertencem, se é que um dia pertenceram a um. Hum, ali tem tapioca, prato saudável, de origem indígena, manifestação da cultura brasileira. Com catupiry e frango desfiado amarelo, veio pingando água, algo nunca antes visto.
Frustação, fome e irritabilidade direcionam o pensamento à atitude dos comerciantes de origem japonesa do trailer de yakissoba. No fundo, gostaria de ser como eles, pensei, trabalhar pouco, ter aparentemente pouco e ser feliz, ao menos. Melhor mesmo seria voltar para casa, cozinhar a própria comida, de forma saudável e natural, é assim que é e poderia ser. Mas o fogão é exigente, paciência, método e arte, atributos que não tenho. Entre risinhos e atitudes desconcertantes a vida passa de forma leve e invejável.
A promessa é a de voltar semana que vem, bem cedo, e quem sabe compreender o quão especial uma pequena refeição pode vir a ser. Nada de mais existe nisso tudo, apenas a contrariedade da racionalidade capitalista que se manifesta assim, de forma espontânea e bela na atitude por vezes incompreensível do outro. Espero não ouvir aquela frase de novo, mas meu espírito sim, desconcertado e surpreendido pela excentricidade e beleza do “O yakissoba já acabou, você acredita?