Obra de Ivonete Alves integra exposição virtual

“Rainha Tereza” busca divulgar e ressaltar histórias de mulheres negras, por meio de fotografias e artes digitais produzidas pela comunidade feminina negra

VARIEDADES - CAIO GERVAZONI

Data 29/07/2021
Horário 08:17
Foto: Vulkânica Pokaropa
Obra foi produzida com bonecas Abayomis, trouxinhas coloridas e pedaços de latinhas de alumínio
Obra foi produzida com bonecas Abayomis, trouxinhas coloridas e pedaços de latinhas de alumínio

Ntsiematesasie ou “Eu vi e guardei”. Este é o nome da obra da artista plástica Ivonete Alves, que também milita pelo movimento negro em Presidente Prudente e região. Ela atua há um longo tempo nas causas sociais, como educação popular e ambiental, agricultura orgânica e geração de renda. Além do trabalho artístico, é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
A obra Ntsiematesasie está sendo apresentada na exposição virtual “Rainha Tereza”, organizada pelo Daelt (Diretório Acadêmico da Elétrica) e os coletivos Prazer, Feminismo e Ubuntu Negras Raízes. Você pode visitar a página por meio do link: https://sites.google.com/alunos.utfpr.edu.br/exporainhatereza.
A exposição busca divulgar e ressaltar histórias de mulheres negras por meio de uma mostra virtual de fotografias e artes digitais produzidas pela comunidade feminina negra. O nome da mostra é uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, assim como o Dia Nacional de Tereza Benguela e da Mulher Negra, celebrados em 25 de julho.
Ivonete conta que a obra é parte de uma realização coletiva desenvolvida pelo Mocambo Nzinga. No ano passado, o Mocambo elaborou um projeto para contemplar a abrangência do trabalho que é desenvolvido pelo coletivo desde 2009. “A gente já fazia aqui no Mocambo com as mulheres, um trabalho de artesanato, arte e de formação das crianças também. Nós já tínhamos produzido muita coisa e pensamos que isso precisava ser julgado num trabalho de exposição artística organizado”, conta a agbá do Mocambo Nzinga. Agbá é o termo utilizado para denominar uma anciã do grupo.

Ntsiematesasie: "Eu vi e guardei"

A obra foi produzida com bonecas Abayomis, trouxinhas coloridas e pedaços de latinhas de alumínio. A princípio o trabalho seria uma guirlanda de Natal, mas ao montar a obra, Ivonete percebeu que poderia adequar ao corpo humano, bem como um manto. “A estrutura de roupa, como os mantos de Bispo do Rosário foi uma coincidência. Quando fui montando a obra, percebi que deixá-la sem uma moldura daria esta flexibilidade à obra, permitindo que ela fosse adequada ao corpo humano”, conta.
A inspiração da agbá do Mocambo Nzinga veio de artistas plásticos do movimento negro brasileiro e africano. “Eu comecei a estudar artistas negros contemporâneos, como a Mama Esther Mahlangu e o artista ganes El Antsui, referência em trabalhos com material reciclado, e outros também históricos como Bispo do Rosário, já falecido, mas que deixou uma obra muito grande de arte. Essa obra foi uma das últimas que a gente elaborou e ela tem mais de 600 bonequinhas Abayomis e um símbolo adinkra” relata Ivonete. Os adinkras são um conjunto de símbolosque representam ideias expressas em provérbios. O sistema adinkra é um entre vários sistemas de escrita africanos. A grafia nasce na África com os hieróglifos egípcios e seus antecessores por todo continente africano.
A obra de Ivonete possui o símbolo adinkra da sabedoria, do conhecimento e da prudência. A artista veste o manto que a representa junto as mulheres negras com o resgate da ancestralidade e da representatividade de uma mulher africana de diáspora.
A obra Ntsiematesasie ou “Eu vi e guardei” também foi apresentada no começo desde ano na exposição de “Arte Negra, ancestral e contemporânea: meu percurso formativo e criativo" do evento “Ocupação Preta”, organizado pelo coletivo Mãos Negras. O grupo foi criado em 2013 por estudantes negros bolsistas do Programa de Permanência Estudantil do campus da Unesp de Presidente Prudente. O objetivo do coletivo é fomentar ações culturais e discutir, aspectos educacionais, artísticos e políticos da luta antirracista.

Mocambo Nzinga

Os mocambos são associações da comunidade negra, que se organiza para promover o sentido de acolhimento e irmandade entre as pessoas pretas, que trouxeram para o Brasil as suas espiritualidades, culturas e um leque abrangente de manifestações artísticas. Ivonete explica que muita gente compararia o mocambo erroneamente a um ateliê de arte. “Como a gente ressignifica também os termos que utilizamos, então, a gente jamais utilizaria uma palavra de origem francesa.Isso porque os europeus também foram nossos opressores e isso significa que a gente não vai poder usar o vocabulário de que nos oprimiu.  Então, a gente toma um termo de origem africana para poder significar uma arte libertária”, explica a artista.  “Mocambo também significa lugar de resistência. Tem uma rede de mocambos no Brasil. Uma rede de mocambos forma um quilombo”.
O Mocambo Nzinga Afro-Brasil é um entre vários do Quilombo São Paulo. O núcleo de Prudente foi iniciado em 2009 por Ivonete Alves, no território do Jardim Cambuci, com capacitações e formações para os jovens do bairro. “As atividades são elaboradas no coletivo e pensadas para melhorar o acesso e a reivindicação ao direito de ter acesso às artes e à cultura”, expõe. O núcleo fica na Rua Amélia Sanches Matheus, 305. Antes da pandemia, o trabalho era desenvolvido presencialmente, no cenário atual, está restrito a reuniões virtuais e o contato por meio de carta, para as pessoas que não têm condição de acesso à internet.  
Outra característica importante dentro de um Mocambo é a forma como os membros se reconhecem dentro do coletivo: malungas e malungos. De acordo com Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, a palavra Malungo é rica em sentidos entre os significados estão “companheiro” e “camarada”. Nomes com que os escravos africanos tratavam seus companheiros de infortúnio no navio negreiro.“Malungo é uma palavra que foi ressignificada por nós. Ela também significa irmandade. Nas travessias do Altântico, dentro dos navios negreiros, os povos falantes de diversas línguas, procuravam uma forma de comunicação.Ainda que não se soubesse a língua das outras pessoas que estavam no navio, o termo “Malungo” foi criado por ser reconhecido em várias línguas do banto, um troncolinguístico que deu origem a diversas outras línguas africanas”. 


 

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