O som parecia ensurdecedor, afinal, a junção mágica de vários instrumentos em um, certamente, não poderia ser diferente. Realizada a pouco menos de 100 anos, a criação desse peculiar instrumento deu ao blues, ao jazz, ao rock e ao pop, o ensejo de sua existência como gêneros musicais, afinal, o que seria deles sem a bateria? O grave do bumbo e do surdo, acompanhados pelos agudos da caixa e dos tons, com o ritmo conduzido pelo chimbal, com os pratos acentuando momentos específicos da música, adicionando camadas de som e dinâmica, em ritmos dos mais variados, conquista a todos, ou melhor, a quase todos.
É preciso, nesse caso, asseverar que seja possível até que incomode a muitos, aos demais músicos, inclusive, em seus momentos de concentração, estudos e apresentações. Mas quem se incomoda mesmo, com os sons da bateria, são os vizinhos, eternos ouvintes de ritmos que não escolheram, não gostam e não querem ouvir, ainda mais, considerando-se que, geralmente, o aprendiz de bateria o faz sozinho, sem os outros instrumentos que dão à música sua harmonia e beleza. A combinação desajustada de notas e acordes, descompassados e fora do tempo, que hora ou outra se fazem comuns no ofício do aprendiz devem ser, em alguns casos, uma tortura.
Fico pensando no que pensam os vizinhos, ouvintes alienados de sua escolha pelo silêncio. Se chamam barulho aquilo que nós chamamos de música, se acham perda de tempo aquilo que nos dá alívio existencial, se conhecem os ritmos que toco, se apreciam músicas que amamos. Difícil saber, é possível que sim, mas certamente não. Procuro, quase sempre, momentos oportunos para fazer um som, quando todos estão fora de casa, mas, invariavelmente, isso é impossível, e o tempo que me sobra para tocar é o mesmo tempo que sobra aos demais para descansar. Como equacionar semelhante disparate?
Talvez, a melhor solução seja o respeito mútuo, primeiro daquele que supostamente incomoda com sua aprendizagem musical, e segundo, daquele que se sente incomodado pelo mesmo. O baterista faz isso, fazendo uso de abafadores, procurando tocar mais baixo, procurando horários oportunos para sua prática. O incomodado, por um lado, poderia louvar a bela iniciativa daquele que se aventura em aprender um instrumento musical, como já dito, dado aos homens pelo próprio criador de modo a dirimir as agruras existenciais. Por outro lado, poderia aproveitar o momento de escuta para aprender uma música nova, um estilo novo, um arranjo distinto dos estilos já conhecidos.
O direito ao silêncio pode ser sagrado e concordamos com ele. Mas o direito a exercer seu apreço pela música e tocar um instrumento musical também não pode ser negligenciado. Nós, aprendizes, aprendemos música, mas também podemos ensinar a quem está disposto a aprender, pelo menos um pouco, dessa nobre arte, ouvindo, pacientemente, nossas práticas. Por outro lado, prometemos redobrar nossos esforços para causar menos incômodo, quando possível. Gostaríamos de isolamento acústico adequado, mas, com isso, como a música poderia ocupar o silêncio do bairro e trazer arte a aqueles que a ignoram?