Pai e filhos

OPINIÃO - Rubens A. Correa

Data 07/08/2021
Horário 05:00

Elmesu era filho de Nabucodonosor, lendário rei da Babilônia. Um dia o pequeno Elmesu esculpe, em matéria argilosa, aquilo que hoje chamamos de cartão: saúde, felicidades, sorte e vida longa foram os votos dedicados, do filho ao pai, e inscritos naquela placa. Estaria nesse gesto dado o start para as comemorações do father’s day. 
Da Antiguidade para os dias que vivemos, o Dia dos Pais foi ressignificado por infinitas vezes e infinitas possibilidades, pois a figura paterna torna-se, inclusive central, no entendimento do que seria uma comunidade ideal, feliz e integrada. Ao pai são conferidos por diferentes sociedades e culturas distintos papéis como o do protetor, o exemplo a ser seguido. 
O cristianismo católico absorveu a figura paterna como àquele em que os devotos devem respeito e devoção, sem questionamentos e sem dúvidas. O lugar do pai torna-se central a partir da imposição religiosa, fonte de adoração que não admite discordância presente em muitas orações do cristianismo católico onde está presente a adoração da figura masculina do “pai eterno”. E desde então consumimos esse imaginário construído não só na condição de pai (o provedor, o centro da mesa) e de filho (o obediente, o ao lado do centro). 
Mas graças ao dinamismo da história e da vida, esses legados foram colocados em xeque e recusados mesmo. As novas gerações criam novas palavras, novos conceitos, novas formas de sociabilidades. Recusam, as novas gerações, a centralidade paterna da forma como imposta pelas experiências históricas anteriores. Algo absolutamente normal diante das dinâmicas da vida e do tempo. 
Não há lugar mais instigante para se aferir o termômetro da relação pai e filhos, ao longo do tempo, como a arte, a literatura, a música, o cinema. Comecemos por “Cartas ao Pai”, livro póstumo do grande Franz Kafka, no qual o escritor checo alinhava uma sequência de ressentimentos, dores e mágoas em sua relação com o pai. Duro embate entre a herança de uma mentalidade conservadora e autoritária contra um sentimento que procura a liberdade. 
Mas há o pai que, diante de todas as circunstâncias adversas, se vê na condição de pai. Não o pai autoritário e impositivo. Mas o pai solidário, compreensivo e resiliente diante de uma circunstância fatídica como em “O Filho Pródigo”, de Cristovão Tezza. O pai se desdobra para compreender e viver a experiência de ser pai de um filho down. Enfim, o pai despido de todas essas racionalidades e assumindo, somente, a sua condição humana. 
Há o pai que vive na memória de todos nós. Memória vivida ou não. Aquele que foi, do seu jeito, com suas imperfeições e suas maneiras tão particulares de ser e viver. Como o pai de “Quase Memória”, livro de Carlos Heitor Cony que nos leva a imergir na solidão das lembranças de alguém que nos marcou de alguma forma. E o que pensar naquele que não se foi, mas está aqui pulsando com muito calor e te perguntando “você está me ouvindo”? 
Ser pai, definitivamente, não é uma experiência em linha reta, sobretudo, quando colocada sob a compreensão racional da trajetória. Principalmente, quando nos vemos na situação de refletir sobre o que falar sobre a vida. Em “Father and Son”, Cat Stevens escreve/canta: “Eu já fui como você é agora. E eu sei que não é fácil. Ficar calmo quando você percebe algo acontecendo. Mas vá com calma, pense muito. Ore, pense em tudo que você já conseguiu. Pois você vai estar aqui amanhã. Mas seus sonhos talvez não estejam”. 
 

Publicidade

Veja também