Papo cabeça sobre porfiria

Carlito Cunha

CRÔNICA - Carlito Cunha

Data 30/12/2025
Horário 06:00

Conversa de intelectuais no bar do Galego. Estavam os três, traçando uma manguaça e jogando conversa fora. Mesmo assim não era papo besta de gente inculta. Era uma conversa de nível.
- Tá lendo alguma coisa, Arusa?
- Acabei de ler “Paula” de Isabel Allende, sobrinha daquele Salvador que foi presidente do Chile. – disse Luzinete Arusa, senhora de meia idade, cabelos brancos, catadora de papel com fama de ter tomado parte no grupo VPR na época da ex-presidenta. - Ela escreveu esse livro para a filha. Escreveu durante as visitas que fazia à sua filha Paula que estava em coma num hospital de Madrid.
Ao seu lado, na mesa, estavam Duardinho Chevrolet, puxador de carro que ficou famoso no pedaço por roubar um Chevrolet, que não sabia pertencer ao delegado, e Mané Morsa, flanelinha de algumas feiras livres. Todos sabiam onde era Madrid.
- Que que tinha essa tal de Paula? – perguntou Duardinho Chevrolet.
- Porfiria. 
- Que diabo é isso de porfiria? Conheci um Porfirio... Porfirio da Paz, que foi prefeito de São Paulo – disse Mané Morsa, meio assoviado por entre os dois dentes, querendo mostrar que também conhecia as coisas – Era Porfirio, mas porfiria nunca ouvi falar.
- Porfiria deve de ser quando a gente queria uma coisa em vez de outra – rebateu Duardinho enxugando o copo.
- Nada disso. Isso é preferia! Eu preferia aquilo em vez disso, entendeu? Preferia é verbo – disse Mané - Esse negócio que tão falando aí é os arredores da cidade...
- Não, cara. E a moça tinha os arredores da cidade? Ah, ah. Arredores é periferia... – Luzinete Arusa esclareceu.
- Então que raio é isso de porfiria?
- Nada melhor do que um dicionário para esclarecer isso.
- Também acho. – Mané Morsa virou o copo num só gole e chamou o dono do boteco - Ô Galego, cê tem um dicionário aí?
- Traz o dicionário e mais uma rodada.
- Aí vai o dicionário... o pai dos burros – veio o portuga trazendo o surrado volume do Aurélio.
Luzinete, a mais esclarecida dos três, apanhou o dicionário, abriu-o sobre a mesa, procurou o verbete e disse pausadamente.
- Aqui, ó, no dicionário diz: Porfiria, qualquer uma de um grupo de perturbações do metabolismo das porfirinas, caracterizadas por aumento significativo de formação e de excreção delas, ou de seus precursores.
- Entendeu, Mané? – perguntou Duardinho com cara de enorme interrogação.
- Porfirina? Que que é porfirina, Luzinete? – Mané Morsa quis saber.
- Porfirina... tá aqui – Luzinete Arusa leu. -  Cada um dos grupos vermelho-escuros ou púrpura-escuros de derivados do pirrol, isentos de ferro ou de magnésio, que existem universalmente no protoplasma e compõem os pigmentos respiratórios de animais e plantas.
- Pirrol? Que raio é esse pirrol aí? – agora quem não entendeu nada foi o Duardinho Chevrolet.
Luzinete Arusa, novamente folheou o dicionário, sobre a mesa e achou o verbete.
- Pirrol... pirrol... achei. Composto heterocíclico, cujo anel tem quatro átomos de carbono e um de nitrogênio, líquido incolor, de odor semelhante ao do clorofórmio, e que é base muito fraca.
Mané Morsa olhou para Duardinho depois para Gracinha, sorriu e pra não pagar uma de idiota, fez cara de inteligente e disse:
- Aaahhhh, bããão! Agora nois sabe o que é porfiria.
 

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