Paulo Francis

Sandro Villar

O Espadachim, um cronista que não está para blablablá

CRÔNICA - Sandro Villar

Data 15/08/2020
Horário 05:31

Faz mais de 20 anos que Paulo Francis morreu e lembrar que ele foi um jornalista polêmico não é chover no molhado. É chover no seco mesmo. Por falar nisso, Francis gabava-se de ser um dos três jornalistas polemistas do Brasil. Os outros dois eram, segundo ele, Carlos Lacerda e Hélio Fernandes.
Paulo Francis, assim como Elvis, não morreu, conforme ironizou Ricardo Kotscho, observando que há vários Paulos Francis na mídia em geral hoje em dia. E quase todos são justiceiros e sem o brilho intelectual do original, acrescento eu.
Dizem que, depois de atuar no Pasquim, Paulo Francis mudou da água para o vinho quando voltou a trabalhar na imprensa dita grande, como Folha e Estadão. E que mudança foi essa? 
Segundo seus críticos, ele deixou de ser esquerdista e passou a ser direitista, atacando Lula, o PT e o comunismo. "O Brasil é o único país que leva o comunismo a sério", criticava. Talvez ele tenha exagerado, mas sabem como é: Francis sempre estava disposto a comprar briga. 
No Pasquim, onde também usava o pseudônimo Pedro Ferretti, com comentários ainda mais demolidores, ele escreveu artigos memoráveis. Francis falou, por exemplo, do massacre na aldeia de My Lai durante a guerra do Vietnã, aquela em que os EUA entraram bem, perdendo para um Exército cuja única ração, na selva, resumia-se a bolinhos de arroz integral que os vietcongs carregavam no embornal.
Nessa aldeia vietnamita, em março de 1968, um pelotão americano comandado pelo tenente William Calley matou centenas de pessoas. Entre as vítimas estavam velhos, mulheres e crianças. Prato cheio para Francis, que caiu de pau no tal tenente, observando que todo tenente seria ou poderia ser como Calley. 
Em outro artigo, igualmente memorável, ele falou de uma garota americana currada por rapazes portugueses em um bar na Filadélfia ou em Boston, não me lembro bem. Depois que o último freguês foi embora, os gajos atacaram a moça que, se não me engano, era a garçonete. Francis disse que os caras colocaram a garota em cima de uma mesa "e se serviram". Assunto trágico, mas tratado com certa leveza pelo jornalista.
Ainda no Pasquim, durante a ditadura militar, soltou os cachorros contra ninguém menos que o nosso companheiro redator-chefe Roberto Marinho. A bronca foi porque o jornal O Globo incluiu jornalistas do semanário, presos dias antes, na lista dos presos políticos que seriam trocados por um embaixador sequestrado pela guerrilha. 
Francis estava na lista. Durante algum tempo o Pasquim pegou pesado contra Roberto Marinho, chamando-o - Oh, Céus, como direi? -, enfim, afirmou que o dono do Globo - e da Globo - era aquilo em que mosca gosta de pousar, frase que encontrei para não dizer outra coisa. 
 "Nós nunca mais vamos deixá-lo em paz", bradava o Pasquim, com Francis no comando do ataque. O tempo passou e, logo depois, Francis foi contratado a peso de ouro pela Globo (a peso de prata é que não foi) e, como é óbvio, com a aprovação de Roberto Marinho, que, ao que parece, não deu a mínima para as críticas ferozes que recebeu.   
Ele era comentarista do Jornal da Globo e foi parodiado por Chico Anysio. Na rodoviária de Bauru, um passageiro, enquanto aguardava o embarque, assistia ao telejornal quando Francis entrou. Ele achou que era o Chico Anysio, segundo o jornalista Luiz Carlos Azenha, que estava ao lado do passageiro. 
Paulo Francis, que talvez fosse melhor quando falava de cinema e literatura, dizia que uma pessoa poderia se dar por satisfeita se conseguisse realizar pelo menos 30% de seus projetos pessoais e profissionais. Talvez seja um bom percentual.
Ele nunca escondeu que experimentou todas as drogas de sua época. E também não dispensava a água que colibri não bebe, principalmente uísque escocês. "Eu bebo para tornar a humanidade interessante", costumava dizer. Ou, como diria o outro, que não sei quem é: é melhor morrer de cirrose do que de tédio.
Uma coisa é certa: Paulo Francis deixou sua marca no mundo e aqui vai um aviso: não convidem para o mesmo jantar a jornalista Sônia Nolasco, viúva de Francis, e um certo Fernando Henrique Cardoso, mais conhecido como FHC. Como, minha senhora, a senhora quer saber o motivo? Pesquise, minha cara, pesquise!

DROPS

A vingança é um prato que não se come nem quente nem frio.

Na terra dos espertos os mais bobos consertam relógio com luva de boxe.

Do jeito que a coisa está no Brasil, pobre ainda vai reutilizar palito de dente.

É como diz o leiteiro: "Não adianta chorar o leite derramado".
 

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