Quando morre um amigo

OPINIÃO - Toninho Moré

Data 26/08/2022
Horário 03:33

Nem todos sabem o quão prazeroso é escrever. Escrever é uma arte. É como pintar um quadro, compor uma música bonita, desenhar um projeto, plantar uma árvore, dedicar-se à lavoura, enxertar uma rosa, inventar algo incrível, marcar um gol.
Cada vez mais raras as pessoas que se dispõem a expressar-se por meio da escrita. Por isso, digo que escrever é arte. Demorei anos para chegar neste estágio. O Português não é fácil. As regras ortográfico-gramaticais são traiçoeiras. Por isso, talvez, poucos se encorajem a escrever o que veem ou pensam.
Não sem enfrentar dificuldades, estou aqui. Já editei revistas, escrevo um blog, sou colunista de O Imparcial e, por cinco anos seguidos, escrevi uma página diária no Jornal Integração de Presidente Venceslau. Foi daí que veio toda a inspiração pelas letras.
Quem me abriu essa porta no jornalismo impresso, que acreditou na minha capacidade de desenvolver a arte da escrita, nos deixou. Como um estalido, num click, foi embora sem dizer Adeus. Seu coração parou como o desligar de um interruptor de luz. Não me lembro de nossa última conversa, do derradeiro gesto, ou mesmo, de um leve sorriso. 
Mas minha gratidão me faz sentar aqui, diante deste teclado, e agradecê-lo pela amizade duradoura, as conversas divertidas, a agitação diante das notícias bombásticas que ele agigantava e… como vibrava! Pelo receio da chegada do Clóvis, bravo pelas risadas que, na verdade, eram o saldo de tudo isso. 
Ah!, Moacir Bento. A primeira vez que o vi foi num corredor de um metro e meio por uns cinco de comprimento, no prédio da antiga Rádio Presidente Venceslau AM. Estava ali espremido, copiando notícias à caneta pelo som vindo de um “radião” de um monte de faixas. Foi naquele local que conheci o amigo agitado de meu irmão mais velho. 
Ali era um ambiente louco de rádio, feito de maneira “neandertal” por um maluco entusiasmado com o mundo de informações. Olhem, naquele Moacir existiam muitos “gigabites” do mundo de hoje, empurrados por adrenalina única, que nunca o abandonou. 
Aquilo tudo, de uma forma ou de outra, mexeu comigo. Aquele mundo era a mistura da música, da notícia, da política, da vida, do futuro, da arte. Eu tinha apenas 14 anos. 
Desde então Moacir passou a fazer parte da família Moré, tal a proximidade que tinha com o Clóvis e com todos os personagens daquele meio que eclodiram para um mundo de magia e som. 
Pedro Alves, Roberto Andrade, Aimar Vanalli, Armando Moré, Nélio Luiz, Edson Moreira, Isidro Tacca, Walter de Camargo, Ari Cirino e outros, muitos que formaram extensa base para a área de informação e imprensa de Presidente Venceslau. Ah!, não posso me esquecer de Altino Correia, que lá atrás deu início a tudo isso. 
Pois é. Como Gonzaguinha, faço uma “volta ao começo” para falar dos valores do Moacir Bento. Agitado, ansioso, destemido, Moacir saiu pelo mundo, foi para São Paulo, voltou formado e foi morar em Santo Anastácio, mas sua base era aqui.
De volta à Rádio Presidente Venceslau AM no começo dos anos 80, logo passou a comandar o Jornal Integração, um braço impresso da emissora. Se deu bem e, mais à frente, se tornou o proprietário. 
A partir daí passou a agir como seus antigos chefes, oferecendo oportunidades a muitos que tinham a mesma paixão. Eu fui um deles com minha página diária. Lá passei a dominar melhor os textos curtos, ser mais sucinto no que escrevo. Perdi o medo de escrever e me expressar. Passei a entender prazos de entrega de trabalho e de como funciona o lado “editorial” das coisas. Aprendi muito, sem nunca receber uma censura qualquer do grande Moacir. 
Além da amizade e confiança, pude aprimorar o lado profissional e mais tarde ganhei forças para lançar o meu próprio projeto, a revista Radar.
Moacir soube enfrentar, mesmo para um mercado pequeno, o desafio de ter uma oficina complexa de jornal com linotipo, montagem a mão e impressora, que apresentava defeito a cada 15 dias.  Não vou entrar no lado editorial e no familiar, pois teria que escrever um livro aqui. 
No sábado passado, dei adeus a este amigo. Debrucei sobre o seu caixão um ramo de “acácia”, ao lado dos irmãos maçons (a maçonaria era uma paixão avassaladora do Moacir). Foi assim a nossa despedida.
Foi embora num estalo de dedos e deixou um legado que vi reluzir em mim ao observar as lágrimas de seu mais recente pupilo, o jornalista Eduardo Maduro, que já brilha com lindos textos pela imprensa regional. 
Descanse Moacir. Nós ficamos por aqui, e infelizmente temos que escrever mesmo “quando morre um grande amigo”.

Toninho Moré é jornalista em Presidente Venceslau, e colunista deste diário.

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