Eram sentimentos muitos complexos aqueles que mobilizavam as atenções daquele jovem estudante, o primeiro, quiçá, o único da família, em muitas gerações, a estar matriculado em uma universidade, em curso de enorme tradição, erudição e rigorosidade acadêmica. As sensações, melindrosas, eram causadas, sobretudo, pelo assombro do novato em um mundo para ele desconhecido, até recentemente. Um mundo de saberes e conhecimentos inimagináveis a quem saiu dos falidos bancos escolares do ensino médio brasileiro.
Não havia livros em sua casa, muito menos, dicionários, enciclopédias ou compêndios. As palavras escritas eram raras em seu cotidiano, um boleto, um panfleto de propaganda, embalagens, por vezes, uma revista velha, de anos passados. Livro mesmo só a Bíblia, guardada com reverência em cima da estante da sala, mas mesmo essa, raramente folheada e nunca lida, nem mesmo nas reuniões coletivas, após o jantar, como em outros tempos. As informações, chegavam, sobretudo, sempre mediadas pela TV ou pelo rádio, que os pais ainda ouviam pela manhã.
A universidade, porém, com toda sua pompa e erudição, envolta em autores, seus conceitos e suas obras de extravagante sapiência, com professores que pareciam dotados de saberes aparentemente inesgotáveis, alguns, talvez por isso, demonstrando certa arrogância intelectual associada a um esnobismo inconsequente, oprimiam o jovem estudante, fazendo-o lembrar, a todo instante, de onde viera. Essas sensações, de não pertencimento, eram conflitantes com o encantamento que sentia a cada nova descoberta, a cada nova palavra, a cada conceito adquirido, arduamente, pelos estudos.
O espírito e a consciência do aprendiz digladiavam-se, cotidianamente, em parte pelo deslumbre com tudo que vinha aprendendo, em parte pela opressora sensação de não pertencimento àquele mundo que não parecia ser o seu. O tempo, esse milagroso remédio, agia, juntamente com sua dedicação e esforço, para dirimir as barreiras sociais colocadas entre o jovem, oriundo das classes populares, e a universidade, esse espaço ocupado por uma elite intelectual vaidosa e ciosa de suas posições, academicamente conquistadas.
Talvez por essas razões, mesmo sem o saber, o jovem adquiria hábitos e comportamentos que pareciam naturais ao espaço acadêmico, mas que, por sua vez, poderiam oprimir os seus amigos e familiares. Nos feriados e nas férias, quando, enfim, voltava para casa, novas sensações indicavam um novo não pertencimento, dessa vez, ao espaço que sempre fora seu. Pronunciava palavras difíceis, fazia censuras às colocações da mãe e do pai, que julgava equivocadas ou fora de lugar. Parecia outro, em muitos momentos, por não conseguir dialogar com os seus em assuntos dos mais triviais, julgava-se, quase sempre, certo, afinal, ele era o estudante.
A sensibilidade e a inteligência do aprendiz é que proporcionava a seu espírito sentimentos e reflexões tão conflitantes acerca de sua nova condição existencial, a de intelectual oriundo e pertencente às classes populares, mobilizando, quase sempre a questão, quem sou eu?