Restaurante de Prudente sofre boicote após satirizar crimes

Primata Parrilla publicou no Instagram piadas que aludem aos casos Eliza Samudio e Isabella Nardoni; instituições acompanham episódio

PRUDENTE - ANDRÉ ESTEVES

Data 30/11/2020
Horário 16:51
Foto: Divulgação
Mensagens que aludem a crimes bárbaros são compartilhadas pelo restaurante no Instagram
Mensagens que aludem a crimes bárbaros são compartilhadas pelo restaurante no Instagram

Um restaurante de Presidente Prudente se tornou alvo de uma campanha de boicote após publicar mensagens que fazem alusão à violência contra crianças e mulheres, ao feminicídio e à xenofobia. Em diferentes postagens, o Primata Parrilla faz piadas mencionando tragédias de ampla repercussão, como o Caso Eliza Samudio e o Caso Isabella Nardoni, além de satirizar a fome na África.

“O cão é o melhor amigo do homem, [assinado] goleiro Bruno”, diz uma das postagens, referindo-se ao jogador de futebol que cumpre pena em regime semiaberto pelo homicídio triplamente qualificado, sequestro e ocultação de cadáver de Eliza.

“Filho a gente não cria para nós. Cria para jogar no mundo, [assinado] Alexandre Nardoni” é outra das declarações que aparecem no Instagram do restaurante. O caso gerou comoção nacional em 2008, quando Isabela Nardoni, de 5 anos, foi atirada do sexto andar de um edifício da zona norte de São Paulo. O pai da menina e a madrasta dela foram condenados pelo crime.

Em uma terceira postagem, são destacados os dizeres: “Fazer as refeições juntos une a família! Etiópia, povo sem união”. De acordo com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a última edição do relatório O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo, publicado neste ano, estima que aproximadamente 690 milhões de pessoas passaram fome em 2019, o que representa um aumento de 10 milhões em relação a 2018 e de aproximadamente 60 milhões em cinco anos. A situação é mais expressiva na Ásia, mas, conforme o estudo, o número aumenta mais rapidamente na África.

Procon acompanha

Apesar de comentários favoráveis à conduta do restaurante, classificando o conteúdo como “humor negro”, as publicações geraram revolta entre usuários, que se posicionaram contra o teor ofensivo das mensagens e se mobilizaram para fazer denúncias aos órgãos competentes, inclusive ao Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor).

A coordenadora regional da Fundação Procon, Priscila Nishimoto Landin, relata que tomou conhecimento do caso pelo Procon Municipal e deverá se reunir com a equipe na manhã desta terça-feira para discutir o assunto. Segundo ela, é muito provável que o restaurante seja notificado a prestar esclarecimentos sobre os episódios e poderá responder a um processo administrativo sancionatório, estando sujeito à multa que varia de R$ 700 a cerca de R$ 11 milhões.

Isso porque, conforme Priscila, o Código de Defesa do Consumidor proíbe as publicidades enganosa e abusiva. “Apesar das postagens em questão não configurarem publicidade no sentido estrito, não deixam de ser propagandas publicitárias publicadas nas redes sociais”, explica. “O teor deste conteúdo e a indignação da população que o denunciou contam como agravantes para o cálculo da multa, que pode ser alta”, adianta.

A reportagem entrou em contato com o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) para questionar se o conselho pode intervir no caso e aguarda posicionamento.

"Apesar das postagens em questão não configurarem publicidade no sentido estrito, não deixam de ser propagandas publicitárias publicadas nas redes sociais"

Priscila Nishimoto Landin,

Coordenadora regional da Fundação Procon-SP

Teor racista

Esta não é a primeira vez que o Primata Parrilla é alvo das instituições. Em fevereiro deste ano, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Presidente Prudente, o Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial e a Comissão da Igualdade Racial da 29ª Subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) expediram à CPJ (Central de Polícia Judiciária) ofício para apuração de publicações supostamente racistas feitas pelo restaurante, tendo resultado em um inquérito. A defensoria aponta que agora aguarda notícia do desfecho.

A OAB, envolvida na autoria do ofício, informa que, por ora, não vai se posicionar.

"De mau gosto"

À reportagem, a titular da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de Presidente Prudente, Denise Akagui Simonato, informa que a delegacia não recebeu nenhuma denúncia contra as publicações feitas pelo restaurante no Instagram. No entanto, após tomar conhecimento, ela analisou por conta própria o conteúdo, que descreve como “grosseiro e de extremo mau gosto”. “São piadas chulas sobre fatos impactantes que repercutiram em todo o país”, avalia.

Prática frequente

O episódio também motivou uma nota de repúdio pela Frente pela Vida das Mulheres de Presidente Prudente, uma organização feminista da cidade, que enfatiza que esta não é a primeira vez que o estabelecimento comercial realiza postagens ofensivas, racistas, misóginas, xenófobas e, com frequência, pratica o discurso de ódio. “Tal atitude naturaliza os crimes citados, desrespeita a memória das vítimas de feminicídio e de racismo, ultrapassa os limites da liberdade de expressão, incita a violência e outros, além de descumprir a função social da empresa”, defende.

Na nota, a associação conclama todos os prudentinos a boicotarem o estabelecimento e denunciarem as postagens do Instagram que estimulam discurso de ódio, “em razão desta prática ser um desserviço à construção de uma sociedade livre de violência, igualitária e com equidade de gênero efetiva”, e para que ocorra a retirada de conteúdos violentos, “que ferem os direitos humanos, que ultrapassam a liberdade de expressão e rompem com o tecido social civilizatório mínimo”.

“Nosso objetivo é o fim: fim da violência patriarcal, que mata, segrega e alimenta esse sistema que mantém o Brasil como o quinto país que mais mata mulheres – em 2018, foram 66 mil vítimas de estupro; além disso, a taxa de homicídios de negros cresceu 11,5%, de 2008 a 2018”, pontua.

"Tal atitude naturaliza os crimes citados, desrespeita a memória das vítimas de feminicídio e de racismo, ultrapassa os limites da liberdade de expressão, incita a violência e outros, além de descumprir a função social da empresa"

Frente pela Vida das Mulheres de Presidente Prudente

"Piada não é opinião"

Procurada, a direção do restaurante Primata Parrilla defende estar no direito de fazer qualquer tipo de humor e que as piadas publicadas na página não condizem com a opinião do estabelecimento. “Fizemos uma piada, igual sempre fazemos. Aliás, basta entrar no nosso Instagram para ver. Isso não quer dizer que achamos os portugueses e as loiras burros, nem negros menos favorecidos e muito menos que as mulheres devem morrer. Piada não é opinião”, argumenta.

O estabelecimento destaca “ainda estar em um país livre” e “quem se sentir ofendido tem todo o direito de não ir ao local”. Acrescenta ainda que se tornou vítima da “cultura do cancelamento” e já recebe ameaças em decorrência do conteúdo publicado. “Incluíram colocar fogo no nosso restaurante entre várias ameaças. Ou seja, exigem paz, amor e respeito tacando fogo e fazendo ameaças”, relata.

"Quem se sentir ofendido tem todo o direito de não ir ao local"

Primata Parrilla

Ministério Público

A reportagem também entrou em contato com o MPE (Ministério Público Estadual) para saber se o órgão foi notificado sobre o assunto e deve tomar alguma providência a respeito. Inicialmente, a Assessoria de Comunicação informou que aguarda retorno da Promotoria responsável e, assim que houver informações, voltará a entrar em contato. Sendo assim, esta matéria pode ser atualizada a qualquer momento para a inclusão de novas informações.

Foto: Divulgação - Post que faz referência ao Caso Eliza Samudio

Divulgação - Publicação satiriza fome na África

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