Filha de bombeiro, admiração pelo pai e pela profissão. A decisão profissional surgiu aos 15 anos. Os três anos seguintes foram para fortalecer a ideia. Tempo que coincidiu com a abertura de inscrições para mulheres no Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo. Carla Cristina Martins da Silva Souza, uma das três filhas de Carlos Amaral da Silva, atualmente coronel da reserva, se inscreveu, fez os exames, passou e entrou para a turma que se autodenominou Guerreiras do Fogo.
Hoje, a subtenente Carla conta não ter sido fácil ingressar nessa corporação da Polícia Militar. Fez prova escrita, testes de aptidão física, exames médicos e testes psicológicos. As dificuldades não intimidaram a primogênita do coronel Amaral e da professora Maria de Lourdes. Seu nascimento foi em São Paulo, pelo fato de seu pai estar fazendo curso para oficial na Academia do Barro Branco. Seu ingresso na escola foi em Dracena, por conta do trabalho do pai.
Fez parte do ensino fundamental na Escola Estadual Engenheiro Isac Pereira Garcez, completada no Colégio Adventista em Presidente Prudente, cidade onde fez o ensino médio na Escola Estadual Monsenhor Sarrion. Daí retornou a São Paulo para realizar o sonho de ser bombeira. O estudo universitário veio depois, com formação em Direito pela Unoeste (Universidade do Oeste Paulista). Na capital paulista foi um ano de estudos e preparação para começar atuar no 2º GB (Grupamento de Bombeiros).
Estudou no antigo Ceib (Centro de Ensino e Instrução dos Bombeiros), atual ESB (Escola Superior de Bombeiros). Ficou dois anos no 2º GB, no serviço de prontidão. A cada 15 dias havia troca de ações de acordo com as viaturas: resgate, incêndio, salvamento e plataforma (altura). Em 1998, obteve transferência de São Paulo para entrar na história como a primeira mulher policial militar do Corpo de Bombeiros em Prudente. Foi trabalhar no posto da Cecap, na divisa com a Cohab.
CARREIRA
O ir e vir de São Paulo tem sido uma constante na construção da carreira policial, a cada curso de formação e nos concursos para graduação como praça, até chegar a subtenente, escalada que também inclui promoções e qualificação para trabalhar no Águia, o Grupamento de Rádio Patrulha Aérea “João Negrão”. Fez também educação física na escola da Polícia Militar e especialização em abordagem técnica à tentativa de suicídio, algo muito presente nas atividades policiais nestes tempos de pessoas tristes, insatisfeitas, solitárias, instáveis e deprimidas.
O propósito na construção da carreira ainda reserva novas etapas em concursos para se tornar oficial e passar por algumas patentes até se aposentar daqui a sete anos. Mas essa determinação começou com seu pai, foi vivida com o seu marido, o capitão Luiz Edson, e com sua irmã, capitã Cathia, primeira mulher a comandar o 3º Subgrupamento, em Dracena. A outra irmã, de nome Cássia, é nutricionista. A subtenente Carla só reduziu um pouco a correria por conta da maternidade. Sua filha, Lorena Hadassa, tem seis anos.
No 2º GB e no posto da Cecap trabalhou mais de uma vez. Ainda em Prudente esteve no 1º Subgrupamento (centro) e no Grupamento Águia. Atualmente trabalha na sessão técnica do Cobom (Centro de Operações do Corpo de Bombeiros). Atua no serviço de emergência 193, que atende aos 56 municípios da área de abrangência do 14º GB (Grupamento de Bombeiros). Acidentes com motos são os mais frequentes, praticamente a toda hora.
Os tipos de ocorrências são bem variados e, entre eles, estão resgate, salvamento, incêndio, queda, parturiente, atropelamento e tentativa de suicídio. Têm os casos de animais em risco ou colocando em risco a vida de pessoas, tais como cobra e jacaré. Há um grande volume de informações que exige preparo emocional para escutar e dar andamento às ocorrências. Mas, o mais intenso é atuar diretamente no local dos acontecimentos.
EM SÃO PAULO
Os casos mais intensos foram vivenciados em São Paulo, onde teve sua primeira grande expectativa frustrada, que no dia 31 de outubro completará 23 anos. Era 1996 e faltavam poucos dias para sua formatura, no dia 6 de novembro. Um avião da TAM, após decolar do Aeroporto de Congonhas, caiu sobre oito casas 2 km adiante, matando 99 pessoas. A frustração foi de não poder atuar, embora entendendo que estava preparada.
O bombeiro é treinado a ter calma, para pensar antes de agir. Em uma de suas primeiras ocorrências, a jovem policial caiu da escada com o pesado cilindro de oxigênio nas costas e precisou do amparo do colega. Mas foi ganhando experiência e firmeza no agir. Porém, treinar para manter é frieza não significa perder a sensibilidade, de tal forma que mantém na lembrança um incêndio na favela perto da Lapa, local de cômodos precariamente construídos, habitados por moradores vulneráveis, susceptíveis a perder tudo em questão de minutos. E o mais triste: homem que morreu queimado e o cachorro estava ao seu lado, fiel até morte.
A primeira ocorrência da então recruta Carla foi socorrer um homem preso no vão do elevador. A imagem que ficou é da perna pendurada, embora os machucados tenham sido nos braços. O trabalho de resgate durou meia hora. A ocorrência mais impactante de sua vida foi o incêndio no depósito central da Gradiente, em Barueri. Os bombeiros de Osasco e de São Paulo trabalharam a noite toda. Houve muita dificuldade por ser um barracão de 13 mil metros quadrados.
EM PRUDENTE
A lembrança mais marcante no Bombeiro de Prudente foi o atropelamento de uma mãe e seu bebê que, embora reanimado, morreu no hospital. Outro fato inesquecível foi ter atuado e pela única vez junto com seu pai em acidente entre caminhão e ônibus na rodovia Raposo Tavares, perto de Presidente Bernardes, cidade das raízes da família Amaral desde os tempos da vila Emília, que depois virou o município de Emilianópolis. Atualmente, a subtenente Carla, além de exercer sua profissão, tem feito palestras e participado de debates sobre prevenção ao suicídio.
No âmbito regional, são frequentes as ocorrências de tentativa e prática de suicídio. Na condição de especialista, a policial tem compartilhado seus conhecimentos com os colegas. Em casos de tentativa de suicídio, antes a polícia utilizava a tática de tirar a pessoa do lugar, por exemplo: de cima de viaduto, pronta para se jogar na rodovia. Agora, faz uso da técnica que, basicamente, consiste no se aproximar em silêncio.
A partir da aproximação, são feitas perguntas fechadas que sugerem respostas sim ou não, para daí extrair informações que possam ajudar no diálogo até a pessoa tomar a decisão de desistir. Se a decisão não for dela, ficará o sentimento de frustração, de tal forma que tentará se matar em outra ocasião, podendo consumar o ato.