O último domingo no Ginásio Poliesportivo José Corrêa, em Barueri (SP), foi marcado por medalhas, lágrimas e histórias de superação. Uma delas não veio de uma atleta profissional, nem de alguém com anos de experiência nos tatames. Veio de Aline Alcará, 39 anos, mãe do jovem lutador Brenno Alcará, 17.
Aline conquistou a medalha de ouro na categoria faixa branca estreante do Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu, promovido pela CBJJ (Confederação Brasileira de Jiu-Jitsu). Mas para ela, mais do que a vitória em si, o feito representou algo maior: vencer a si mesma.
“Não é sobre ganhar uma luta. É sobre me superar”, disse Aline, após a conquista. A frase proferida por ela resume a trajetória de uma mulher que decidiu enfrentar a dor crônica da fibromialgia a partir do amor por seu filho Brenno e do universo da arte suave em que ele está inserido. Ela iniciou no jiu-jitsu em 2023.
Diagnosticada com fibromialgia, uma condição que provoca dores intensas pelo corpo, fadiga constante e sintomas de depressão, Aline sempre viveu entre medicamentos pesados e o desafio de manter a saúde mental em meio ao sofrimento invisível. “Mesmo dormindo e acordando com dor, decidi não deixar que essa doença me defina. Por muito tempo, a carga emocional e o excesso de trabalho agravaram meus sintomas. Passei anos tomando medicamentos pesados, mas nunca me senti realmente melhor. Vivia dopada e distante de mim mesma”, conta.
Foi acompanhando o filho Brenno, atleta de jiu-jitsu desde muito jovem, que Aline encontrou motivação para mudar. Em meio a viagens para campeonatos e treinos, surgiu uma promessa: “Prometi a ele que um dia eu também subiria no tatame — para entender o que se passa na cabeça de um competidor e me aproximar ainda mais do universo que ele tanto ama”.
A promessa virou meta. A meta, realidade. Há cerca de 40 dias, Aline tomou uma decisão radical: abandonou os medicamentos e passou a encarar a doença com outra postura. “Assumi o controle da minha mente e decidi enfrentar a doença de frente”, afirma.
“EMBORA EU AINDA NÃO SABIA QUAL SERIA O RESULTADO NO TATAME, JÁ ME SENTIA UMA VITORIOSA. PORQUE HOJE, EU LUTO. LUTO POR MIM, PELA MULHER QUE SE RECUSOU A DESISTIR”
Aline Alacará
Mesmo com dores persistentes, iniciou uma rotina de treinos e decidiu se inscrever no Campeonato Brasileiro da CBJJ. “Embora eu ainda não sabia qual seria o resultado no tatame, já me sentia uma vitoriosa. Porque hoje, eu luto. Luto por mim, pela mulher que se recusou a desistir”.
Na mesma competição, seu filho Brenno não conseguiu chegar ao pódio. Aos 17 anos e recém-iniciado na faixa roxa, o jovem enfrentou adversários adultos, com até 29 anos e grande experiência na modalidade. “Ele não conseguiu a classificação para a final, mas vai continuar batalhando pra chegar no topo”, afirmou a mãe, orgulhosa.
Na música “Au Revoir”, do álbum “Abaixo de Zero: Hello Hell” (2019), o rapper Black Alien diz: “O amor mais verdadeiro que eu vou ter nesse mundo é o amor próprio”. No caso em questão desta reportagem, Aline não esconde que o esporte que começou por amor ao filho se transformou também em amor próprio. “O jiu-jitsu pra mim é o sonho do meu filho. Mas hoje, também é minha forma de transformação. É meu grito de liberdade, meu reencontro comigo mesma”.
Agora campeã brasileira na categoria estreante, Aline quer que sua história inspire outras mulheres. “Minha história é sobre resiliência, superação e força interior. Quero ser um espelho para outras mulheres que, como eu, convivem com a fibromialgia. Mostrar que, sim, é possível lutar mesmo com dor. Que o jiu-jitsu pode transformar vidas — como está transformando a minha”.
Aline encerra seu relato com um pedido: “Que essa história possa ser contada e vista por outras mulheres que precisam acreditar novamente em si mesmas. Eu sou só mais uma entre muitas. Mas hoje, sou uma mulher que escolheu se priorizar. E quero mostrar que elas também podem fazer isso por elas. Todos os dias”.
Cedida/Arquivo pessoal
Aline Alcará e o jovem lutador Brenno Alcará, 17, anos, seu filho