Superqualificados sem vaga

OPINIÃO - Walter Roque Gonçalves

Data 29/06/2025
Horário 04:30

Em 12 de julho de 2022, Alex Cristian, para o BBC Work Life, mostrou como profissionais altamente capacitados — com múltiplos diplomas, vasta experiência e habilidades robustas — enfrentam um paradoxo cruel: sua qualificação os torna “bons demais” para quase todas as vagas disponíveis.
A reportagem destaca histórias reais, como a de Emily, rotulada de “superqualificada” após se candidatar com entusiasmo a uma vaga. “Retiraram a minha escolha”, ela lamentou. A empresa que possivelmente a empregaria afirmou: “Aqui você ficaria entediada (...), pois suas habilidades estão acima deste trabalho”. Essa lógica perversa revela o medo dos gestores: contratar alguém que, segundo eles, vai se entediar, questionar processos internos, pedir aumentos ou aceitar qualquer oferta melhor em breve.
Shelley Crane, da consultoria Robert Half, alerta para o “efeito catastrófico” de omitir qualificações para aumentar as chances de ser contratado, prática cada vez mais comum no mercado de trabalho. Essa sobrequalificação já provoca impacto psicológico comprovado: ansiedade, insatisfação, desmotivação — resultado de milhões de pessoas lutando por oportunidades abaixo de seu nível de qualificação ou enfrentando resistência quando se apresentam como pessoas mais que qualificadas para a função.
Startups e empresas menores, mais ágeis, são apontadas como exceções — capazes de incorporar talentos de ponta com planos de carreira flexíveis e progressão rápida. O superqualificados podem optar pelo seu próprio empreendimento, pois no mercado não há preconceitos, apenas resultados. Mas, no contexto geral, estruturas mais rígidas preferem evitar o risco de alguém “superqualificado” perturbar a harmonia interna.
Vivemos uma contradição: desencorajamos o investimento em qualificação ao mesmo tempo em que dizemos que precisamos de profissionais altamente capacitados. No discurso, valorizamos a inovação e na prática, ignoramos os mais preparados. O resultado? Geração de “peixes grandes em lagos pequenos”: frustrados, subempregados e em risco de desistir profissionalmente.
Formação avançada que deveria ser motor de transformação social torna-se fardo pessoal. Em vez de celebrar a qualificação, o mercado vê-a como ameaça à hierarquia, à estabilidade e aos salários. O tiro, ironicamente, sai pela culatra: rejeitamos profissionais que poderiam impulsionar o crescimento.
Está na hora de repensar essa lógica viciada. Empresas pregam meritocracia, inovação e flexibilidade, mas quando surge um profissional com brilho demais... ele é ignorado. A pergunta que fica para o jornal e para o leitor é clara: se qualificação de ponta não é bem-vinda aqui, onde será?
 

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