Procrastinar é uma palavra muito difícil de pronunciar, mas sabemos muito bem do que se trata quando adiamos afazeres, postergamos tarefas cotidianas e deixamos para depois diversos problemas que pedem soluções urgentes. Pior do que adiar é a consciência de que estamos evitando uma tarefa necessária e, ainda assim, nos mantemos no ato da rebeldia.
Mas eu estive trabalhando intensamente nos últimos seis meses para acompanhar a rápida difusão da Covid-19 no Brasil. Foram muitas horas por dia, realizando inumeráveis tarefas: reuniões remotas com pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e de outras regiões do país, publicação de mapas, entrevistas, mesas de discussão, cursos de capacitação. Ufa!
E as tarefas não param... Há muito o que ser feito, apesar da lenta diminuição do número de casos do novo coronavírus no país. A interiorização da doença ainda está em marcha, especialmente em áreas de maior vulnerabilidade social. É preciso analisar o agravamento da doença em grupos com co-morbidades e a permanência de sua transmissão por alguns anos, coexistindo com surtos sazonais de outras doenças de transmissão viral. Nada disso os brasileiros poderão enfrentar sem a recuperação dos princípios do SUS e o fortalecimento de valores tão caros nas comunidades mais pobres, como a solidariedade. A Covid-19 virou tudo de ponta cabeça e, como uma gigantesca onda de um tsunami, ceifou vidas, deixou sequelas. Alto grau de incerteza paira no ar. Estranha combinação de tédio, ansiedade e insegurança.
Nesse ambiente hostil, deixei-me levar pelo tempo da procrastinação. Corrigir os trabalhos de alunos? Não, é melhor eu subir na escada e tirar aquela teia de aranha que insiste ocupar o canto da sala de jantar. Terminar de escrever o capítulo do livro? Não, é preciso regar as plantas do jardim para amenizar a seca acentuada pelo calor escaldante. Preparar os dados para a reunião de planejamento? Não, é vital escutar a coleção de discos de vinil e reorganizá-la na estante por temas e estilos musicais.
“Quem nunca procrastinou que atire a primeira pedra!” Afinal, meu caro leitor, você sabe muito bem que a procrastinação provoca um sentimento de culpa e de frustração por não responder às expectativas que criamos para nós mesmos.
E como num passe de mágica, dei cambalhotas como se estivesse em um circo, joguei bola, me alonguei, escrevi crônicas, dei risadas de mim mesmo e chorei sozinho. Eureka: “Procrastinar não é preguiça!, dizem alguns. “Mas professor... nada disso é procrastinação, mas ócio criativo!”, me ensinou a Carolina Russo Simon.