Tio Paulo não é brincadeira

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 23/04/2024
Horário 06:00

Quando li a notícia sobre o Tio Paulo pensei imediatamente que não dá para brincar com o ser humano. Afinal, em que planeta poderíamos imaginar uma atitude tão desprezível quanto a de alguém que usaria um parente morto para conseguir um empréstimo bancário?
Mas com o tempo, enquanto a polícia tenta descobrir se de fato este pobre homem estava ou não morto quando chegou ao banco, eu pude perceber pelas redes sociais que aí sim: não se pode brincar mesmo com o ser humano. 
E já de cara: não, em hipótese alguma é aceitável a existência de memes sobre este caso. Desculpem minha radicalidade aqui, mas brincar com isso é ser cúmplice do mesmo vilipêndio que está em investigação. 
Um conhecido me perguntou: “Vai controlar isto como?”. Bem, cada um tem que se controlar, né? Se alguma pessoa, em qualquer lugar do planeta decidiu criar um meme com isso, parou o seu tempo para trabalhar em arte e armar toda uma logística de distribuição, problema dela. Agora repassar, reproduzir, é problema de cada um, sim. 
Enfim, tudo errado mesmo, mas me assusta como toda esta enxurrada de brincadeiras de mau gosto tem sido banalizada entre crianças, jovens, adultos e idosos. 
Parte disso, porém, tem explicação pela natureza das redes sociais. Explica, mas não justifica, que fique claro. É que nestes espaços digitais por onde transitamos durante boa parte do dia há sempre uma briga intensa por atenção e neste momento, vale tudo, inclusive “brincar” com gente morta. 
Outro ponto é que os relacionamentos nas redes sociais são feitos por laços, assim como ensina o sociólogo americano e professor da Universidade de Stanford, Mark Granovetter.
Em seus estudos sobre redes sociais, ele buscou compreender como ocorre a difusão de informações nessas estruturas, especialmente a partir do elemento de ligação entre seus membros: o laço social.
Funciona mais ou menos assim: nas redes sociais somos ligados por laços fortes (família e amigos muito próximos), fracos (conhecidos) ou ausentes (desconhecidos). Se houver notícia boa ou ruim em seu favor, os laços fortes garantem proteção e seguram a disseminação. 
Já os laços fracos ou ausentes, que são basicamente constituídos de pessoas que não estão tão preocupadas com você, permitem que a notícia corra mais. Ou seja, as coisas tornam virais na rede porque quem repassa uma informação, seja ela fofoca ou um meme, não está nem aí com quem é vítima.
Beleza, agora a pergunta: afinal, se o tio Paulo fosse seu tio querido, você repassaria o meme?
 

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