Trabalhadores da notícia

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 10/12/2023
Horário 04:30

Toda semana eu me pergunto: por que eu aceitei o convite para escrever periodicamente para o jornal? Eu acredito que tudo que a gente faz na vida é uma tentativa de explicar a nossa própria história. Explico melhor.
Eu tinha apenas 7 anos quando fui morar na Alameda Barão de Limeira, lá em São Paulo. O meu apartamento ficava apenas três quadras da sede da Folha de São Paulo. Caminhando pelas ruas da cidade, eu passava sempre em frente ao jornal. Logo na entrada do edifício podiam ser vistas as máquinas gigantescas da gráfica. Elas faziam um barulho enorme e não paravam de girar numa velocidade impressionante. Diziam que a Folha era capaz de imprimir 70 mil exemplares de jornais coloridos por hora!
Muita coisa acontecia ao redor da gráfica do jornal. Havia uma fila de caminhões aguardando os primeiros exemplares que estariam nas bancas no dia seguinte. Bares e restaurantes superlotados. Tinha até pessoas em situação de rua que dormiam na frente da gráfica na esperança de realizar algum serviço que envolvia a montagem das edições. Era preciso gente para montar cada exemplar, colar amostras de diversos produtos nas páginas do Jornal e amarrar os pacotes.     
Naquela época eu não imaginava que o coração daquela engrenagem funcionava alguns andares acima, na redação do jornal, que tive oportunidade de conhecer nove anos mais tarde. Eu já cursava o colegial, quando conheci a Bia Abramo. Passei a frequentar a casa dela lá na Lapa. Sempre fui muito bem recebido pela Dona Zilah e sua família. Mas o pai da Bia chegava muito tarde porque ele era o jornalista responsável pela edição do Caderno de Educação da Folha de São Paulo. A única vez que fui apresentado a ele foi numa visita no quinto andar do prédio da Alameda Barão de Limeira. A Redação da Folha era um ambiente ruidoso. As máquinas de escrever soavam nervosamente (os computadores ainda não estavam lá), várias reuniões simultâneas, repórteres e fotógrafos chegando das ruas com novidades. 
O caderno de Educação da Folha marcou aquela época. Sob a liderança de Perseu Abramo, o jornal acompanhou o ressurgimento do movimento estudantil e o debate que corria por fora da chamada grande imprensa por meio dos tabloides alternativos, como o jornal Opinião, O Pasquim e o Movimento. Dizia ele, “o jornalismo é uma variante do método científico, uma forma de apreensão do real”.  E como foi fascinante acompanhar a história brasileira tecida pela sua crônica jornalística! A vida descortinada por um trabalhador da notícia, como se intitula sua deliciosa coletânea de textos. 
 

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