Sinto muita falta do mar. Nada melhor do que aquela brisa marítima, as gotículas da maresia respingando na face e os pés enterrados na areia. Tenho forte atração pela beira mar e tudo que resolve se encontrar por ali. Gravetos e fragmentos de embarcações distantes. Conchas de diversos tamanhos e cores. Embalagens abandonadas por banhistas mal educados.
Especialmente, eu prefiro os trechos onde os rios encontram o mar. Quanta ousadia dos rios que ousam enfrentar as ondas do mar e até adentrar oceano afora por algumas centenas de metros! Aos poucos, generosamente, o mar cede a resistência e se deixa misturar pelas águas doces dos rios. E desse namoro nasce o mangue, brincam os caranguejos, dançam as aves. Daí me sinto revigorado para iniciar um novo ciclo lá nas terras das nascentes, do olho d’água dos córregos pequenos. É a terra onde eu vivo. Onde enterrei meu umbigo.
Diferente do mar, que vai e volta, na terra das águas nascentes o ritmo da vida é outro. A água vai sempre para frente, nunca volta para trás. Às vezes a vida enrosca num pé de toco, numa curva do rio ou em margens pantanosas. Em outras situações, ficamos numa margem, olhando para o outro lado. É quando se desenham outros desafios. Não aqueles de seguir sempre em frente até chegar ao mar. Mas são os desafios da travessia, naqueles momentos da vida que precisamos estar na outra margem...
Muitos escritores tentaram traduzir em diferentes gêneros este grande desafio da travessia. Lembro-me do conto “A terceira margem do rio”. Uma obra prima de Guimarães Rosa. Texto curto e intenso, cuja trama se passa no meio do rio... “E a canoa saiu se indo”, mas “ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais”!
Mas não preciso ir tão longe para pensar na travessia. Tenho bem perto de mim o romance “O lado de lá do Rio Grande”, de Jayro Melo, colega da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e amigo. Me fascina o desenrolar da narrativa a partir de um barco à deriva no rio e o mundo imaginário da outra margem. “A viagem foi longa? Não. Não há viagem longa para quem mora na floresta. Nem é viagem. É apenas movimentar-se pelo lugar onde se mora”.
E, assim, entre margens dos rios e de travessias, deixo passar mais um ano. Em breve me encontro novamente com o mar... Chego à conclusão de que a ideia de tempo não está separada da ideia de espaço, pois sem a ideia de espaço não existe o tempo. O mar e o rio são marcadores do tempo, porque transformam o espaço e permitem o seu conhecimento.