Uma viagem no tempo (e no espaço)

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 26/09/2021
Horário 06:25

Eu começo a minha semana em pleno centro histórico da metrópole paulistana. Poluição em todos os cantos, velocidade frenética de motoboys entre automóveis engarrafados, transporte coletivo pelas tampas. E termino a minha semana com os pés fincados nas terras do Primeiro de Maio, um dentre vários dos bairros rurais do município de Presidente Prudente. Ali eu tenho certo convívio com o trabalhador simples do campo. Eles me fazem voltar nos tempos de Antônio Cândido.
Fui apresentado ao Antônio Cândido quando li sua tese de doutorado transformada em livro pela Editora de José Olympio em 1964. Os “Parceiros do Rio Bonito“ é uma joia rara que concilia o rigor da argumentação científica com a simplicidade e a leveza poética. Como é falsa a ideia de que os grandes intelectuais são aqueles que falam difícil e ninguém entende... Talvez porque Cândido soubesse, como muitos poucos, alcançar a escrita singela, mas fruto de muito trabalho.
Para fazer a tese, Antônio Cândido chegou a morar em um comunidade rural em Bofete (SP) que ainda se prendia à cultura tradicional, denominada de Rio Bonito. Foi ali que ele teve contato com parceiros - trabalhadores rurais que cultivam terras de terceiros. Assim ele resume um dia na vida dessa gente: “O despertar é geralmente às 5 horas [...] Segue a primeira refeição e a ração de milho às criações. Parte-se então para o local de trabalho, raramente encostado a casa... A faina encetada vai até o pôr do sol [...] interrompida pela altura das 8h30 por meia hora, para almoço, e cerca de uma hora pelo meio-dia, para merenda e repouso. Chegado em casa, o trabalhador dá milho às criações, lava as mãos, o rosto, os pés e janta. Às 22 horas ninguém mais está desperto...”. Acompanhando durante algum tempo tal rotina, o autor conclui que os caipiras paulistas, integrados em bairros rurais, desenvolveram formas de solidariedade entre as famílias para as tarefas que exigiam maior esforço - como o mutirão, auxílio mútuo e ação, o que garantia uma rede de troca de favores e mantinha os laços mais solidários entre os vizinhos. A devoção a um santo, a promoção de missas, festas, leilões e bailes permitiam outras formas de convívio.
Não há nada de romântico no olhar de Cândido para esta situação. Pelo contrário, os “Parceiros” é um testemunho da situação dramática do trabalhador do campo que resiste com seus padrões mínimos de existência, ainda que toda sua vida se transforme em “padrões de miséria”, caso ele não se cuide. Eu rezo e peço pra Deus... protege essa gente humilde. Que nunca deixem de sonhar!

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