Perfil da mudança religiosa no Brasil

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 19/05/2019
Horário 05:48

Em 2004, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) lançou ao Ceris (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais) o desafio de realizar uma pesquisa de representatividade nacional que permitisse caracterizar o fenômeno do trânsito religioso no Brasil, aqui denominado de mobilidade religiosa. O tema ganha especial atenção na atualidade e tem despertado o interesse de muitos analistas. Embora sejam dados “velhos”, compartilho neste artigo uma das leituras possíveis, feita pelos professores Marcelo Pitta e Sílvia Regina Alves Fernandes, estatístico e socióloga, ambos colaboradores do Ceris.

“Qual é a sua religião?”, perguntava uma mulher a uma amiga. “Olha –respondeu a amiga– eu sou espírita kardecista, me afastei do catolicismo porque não me identificava com a religião. Frequento o centro lá perto de casa e fico atenta às mensagens dos espíritos. Mas, tem uma coisa: no período de Páscoa, eu sempre vou às missas porque sinto falta de ouvir aquelas mensagens tão bonitas que o padre fala na igreja. Então, eu acho que sou uma espírita-católica”. Temos aí a dupla pertença e o ar de transitoriedade na identificação da religião atual, bem como a dinâmica do campo religioso brasileiro que permite estabelecer uma correspondência direta entre um conjunto de crenças e o pertencimento institucional.

Diante das “religiosidades” (expressão de conceito difuso e que frequentemente expressa experiências religiosas não necessariamente institucionalizadas), o desafio posto é o da busca de credibilidade das narrativas religiosas oficiais. Conforme os autores, o catolicismo no Brasil se constitui de modo sincrético e plural, sendo o sincretismo um dado cultural, caracterizado como “processo pelo qual as formas de simbolizar, conhecer a realidade, a si mesmo e aos outros são afetadas pelo contato com novas visões de mundo” (Pierre Sacnhis).

A referida pesquisa visava mapear motivos e características da mudança de religião na população adulta brasileira (acima de 17 anos de idade), e convoca a observar a mobilidade religiosa como fenômeno social com dinâmica própria, estimulada pela subjetividade dos sujeitos, pelas mudanças aceleradas das sociedades modernas e pelo apelo sócio-histórico que questionou o lugar social das religiões oficiais, mas não aboliu o fascínio pelo religioso. Esse fascínio coincide com o descrédito das ideologias e utopias (Claude Geffré).

O mundo continua significativamente religioso. O pesquisador Faustino Teixeira, com dados de 2014, apresenta números de religiões pelo mundo: 31,5% da população (2,2 bi de adeptos) no Cristianismo (católicos são 50% do total); 23,2% (1,6 bi) no Islamismo; 16,3% (1,1 bi) Não-Filiados; 15% no Hinduísmo; 7,1% no Budismo; 5,9% nas Religiões Étnicas ou Regionais; 0,85% nas Outras e 0,2% no Judaísmo. No Brasil, 87% de cristãos e 8% de não-filiados (não necessariamente ateus), sendo que 68,3% nunca mudaram de religião, enquanto pouco mais de 23% transitaram nalgum momento da vida.

Resumindo, poderíamos dizer que os dados indicam que a mobilidade religiosa nacional afeta pouco mais de 20% da população (cerca de 50 milhões de pessoas); sendo mais comum entre as pessoas de idade mediana (segunda idade) ou adulta (45 a 55 anos), divorciadas e com melhores níveis de escolaridade. A maior mobilidade (movimento interno) se dá nas outras religiões (não-católicas). Analisando o fluxo, há uma rede de significados construída por cada indivíduo que se lança na aventura de buscar uma religião que lhe agrade ou que lhe ofereça respostas e sentido para a existência. Como estamos diante de um fenômeno brasileiro e latino-americano, evitemos julgamentos morais quanto aos percursos individuais e suas motivações. Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!

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