Há algo de perverso e persistente na história brasileira: a educação, desde sempre, nunca foi prioridade de Estado — foi, quando muito, um discurso conveniente.
Os resultados estão aí, há décadas, diante de nós: alunos que saem da escola sem compreender o que leem, professores desvalorizados, escolas sucateadas e um sistema público que parece condenado à mediocridade.
Mas o que pouca gente diz, com a clareza necessária, é que essa falência não é fruto do acaso — é consequência de um projeto histórico.
Desde o período colonial, o acesso ao saber foi privilégio das elites. A instrução popular sempre foi vista como algo perigoso, porque educar o povo significava conceder-lhe voz, consciência e poder.
Enquanto as revoluções europeias do século XIX consolidavam a escola pública e laica, o Brasil mantinha o ensino restrito a poucos, como um bem de luxo. O povo, esse sim, que ficasse com o trabalho e a obediência. A elite governava — e temia que o conhecimento ameaçasse o seu domínio.
Essa lógica atravessou os séculos. Durante o Império, a alfabetização era condição para votar; logo, manter o povo analfabeto era garantir o controle político.
Na República, o discurso se sofisticou: falava-se em “ordem e progresso”, mas a escola pública nunca recebeu investimento compatível com esse ideal.
E mesmo quando educadores visionários — como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire — tentaram romper esse círculo, foram sistematicamente silenciados.
Anísio queria uma escola integral, democrática e libertadora. Darcy sonhava com uma educação que fizesse do Brasil uma civilização, não apenas uma economia. Freire ensinava que alfabetizar era também conscientizar — e por isso foi exilado.
A verdade é que as elites brasileiras nunca quiseram um povo instruído. Preferiram um país com universidades de excelência para poucos e escolas precárias para muitos.
Mantiveram o discurso da “educação como prioridade” enquanto os filhos estudavam em escolas privadas e bilíngues, e as crianças pobres aprendiam o mínimo possível para continuar na base da pirâmide social.
É duro reconhecer, mas Darcy Ribeiro estava certo: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.”
A má qualidade do ensino público interessa a quem se beneficia da desigualdade.
Um povo que lê pouco interpreta mal e pensa raramente é mais fácil de manipular — seja por políticos populistas, seja por elites que preferem uma sociedade dócil a uma sociedade crítica.
A frase popular — “para o povo, qualquer coisa está bom” — traduz com precisão esse espírito.
E o resultado é trágico: o Brasil forma gerações que sabem decodificar letras, mas não compreender o mundo.
O analfabetismo funcional é a marca de um país que simulou democratizar o ensino, mas jamais democratizou o conhecimento.
Romper com essa lógica exige coragem. Significa valorizar o professor, dar-lhe salário digno, formação sólida e respeito social. Significa transformar a escola pública em espaço de pensamento, e não em depósito de crianças.
Significa, sobretudo, assumir que educar é um ato político — e que negar educação de qualidade é negar cidadania.
Anísio Teixeira dizia que “só haverá democracia no Brasil quando se montar a máquina que forma democratas: a escola pública”.
Mais de meio século depois, continuamos sem essa máquina — e talvez sem a vontade de construí-la.
Enquanto isso, seguimos modernos na economia, mas arcaicos na alma: uma nação que teme o próprio povo, porque nunca ousou educá-lo de verdade.