Mais diplomas, menos direção: o impasse da carreira médica

Osmar Marchioto Jr.

COLUNA - Osmar Marchioto Jr.

Data 15/10/2025
Horário 04:30

Recentemente, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) publicou um estudo sobre a mortalidade entre médicos que impressiona pelos números. Em comparação com a população geral, os médicos apresentam taxas de morte mais elevadas em diversas faixas etárias, especialmente entre as mulheres. É o retrato de um paradoxo preocupante: aqueles que se dedicam a cuidar dos outros, muitas vezes, não recebem cuidados suficientes, nem mesmo de si próprios.
As principais causas de morte entre médicos incluem doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias e causas externas, como acidentes e suicídios. O estudo ainda aponta para um dado preocupante: a precocidade das mortes por suicídio entre médicos. Em média, esses óbitos ocorrem 20 anos antes das demais causas. Isso serve como alerta direto sobre a pressão emocional e o esgotamento mental que marcam a trajetória médica desde cedo.
Esse cenário sombrio se torna ainda mais complexo quando observamos a formação médica no Brasil. Nos últimos dois anos, foram criadas quase 6.000 novas vagas em cursos de Medicina, elevando o total de faculdades para cerca de 500 em todo o país. Com isso, o Brasil passou a ocupar o segundo lugar no mundo em número de escolas médicas, atrás apenas da Índia, um país com mais de um bilhão de habitantes. Contudo, essa expansão quantitativa não foi acompanhada por uma qualificação equivalente. Formar mais, não significa formar melhor. Tampouco garante oportunidades reais de inserção no mercado de trabalho.
No último mês, conheci dois jovens médicos recém-formados, ambos cheios de expectativas e disposição. Infelizmente, nenhum deles conseguiu aprovação em programas de residência médica. Mais preocupante ainda é que, mesmo nos serviços onde não se exige residência, as vagas disponíveis já estão todas ocupadas. A saturação do mercado é tamanha que, até mesmo nos postos menos qualificados, falta espaço para quem está apenas começando a carreira.
Por outro lado, observo com curiosidade o caso de um jovem de 23 anos que atualmente vive em Bariloche, na Argentina. Seu trabalho consiste em automatizar clínicas com uso de inteligência artificial. De lá, ele atende clientes em diversas partes do Brasil, com alta demanda e retorno financeiro expressivo. Eu mesmo recorri a ele para automatizar minha clínica. A tecnologia desenvolvida por esse jovem otimizou nossos processos de agendamento, triagem e fluxo assistencial com grande eficiência.
Esse exemplo ilustra a transformação que atravessa a medicina contemporânea. Enquanto um jovem sem formação médica prospera ao aplicar soluções tecnológicas na saúde, médicos recém-formados enfrentam um cenário de insegurança.
Apesar disso, ainda há espaço para esperança. A medicina está passando por uma transição, e essa mudança não deve obscurecer o que é essencial: o olhar humano, a escuta verdadeira, a empatia genuína. Esses valores devem permanecer no centro da prática médica. A tecnologia, inclusive a Inteligência Artificial, pode ser uma aliada importante, desde que esteja a serviço da sensibilidade e da ética. O futuro da medicina será construído por profissionais capazes de unir conhecimento técnico com humanidade e que escolham cuidar das pessoas com competência, respeito e propósito.

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