Caro amigo, espero, sinceramente, encontrá-lo bem. Veja, faço essa ressalva, diante dos últimos acontecimentos, que, como sabes, tem abalado a província e suas adjacências. Me refiro, como pode imaginar, à eleição de nosso novo dirigente, que procura repetir, aqui, aquilo que a América fez e estimulou fazer em vários dos países que outrora, estiveram sob sua influência.
Lembra-se? E é claro que sim, de todas as dificuldades, inimagináveis para nossos jovens, que sofremos naqueles 21 de anos de arbitrariedades? Pois é, não imaginei, nunca, que veríamos a suposta maior democracia do mundo, padecer, veja só, por vias democráticas, do mesmo mal que infligiram a nós e nossos vizinhos. Daqui, da América, posso ver com meus próprios olhos o que agora se passa e mesmo eu, mal posso acreditar que isso seja, afinal, possível?
Nós, porém, e felizmente, não tivemos oportunidade de conhecer a natureza perversa e terrível do fascismo, esse, novo fascismo, que chega ao poder pelas vias democráticas, como os demais, é bom lembrar, mas que assume, nesse momento, uma força inimaginável pela sua aliança com o capital e com a tecnologia. Vivemos, meu caro, momentos assustadores, como dito, inimagináveis, para todos. O que me assusta, nesses dias, é a força das convicções qual as quais seus asseclas tem conseguido, de todo modo, mobilizar o Estado e suas instituições a movimento tão poderoso.
Todos os dias, desde janeiro último, temos vivido situações que antes julgávamos ser impossíveis. Demissões em massa de opositores, perseguições em nossos campi universitários, silenciamentos e cancelamentos de opositores. Lembra-se do Kenneth? Do Thomas? Foram os primeiros a serem demitidos, seus orientandos, por exemplo, têm buscado refúgio na Europa e no Canadá. Tememos, Clara e eu, ser os próximos, e pensamos até mesmo, em quais serão os próximos passos dessa tormenta. Seremos torturados, assassinados?
Sei muito bem de seu vasto conhecimento nessas questões, mas, mesmo você, ficaria surpreso e comovidamente assustado com as formas pelas quais o fascismo tem conquistados corações e mesmo as mentes das mais brilhantes cabeças da outrora grandiosa América. É sempre difícil compreender algo assim, que se vive como uma experiência terrível, mas é algo de messiânico a esperança que depositam nesse que é apenas mais um desses que se colocam nessa condição. Todos os seus apoiadores, sem exceção, parecem ter perdido o discernimento. Estamos, à revelia de nós mesmos, atônitos, diante de tudo.
Sentimos, quase sempre, medo, tão grande e absoluto que me vejo, muitas vezes, cerceando meus próprios pensamentos e mesmo agora, em que lhe escrevo, sinto pavor que vejam essa cartinha, que lhe endereço. Será isso possível? Seguiremos, se nos for permitido, sem forças, contudo, de resistir.
Me conte, se essa chegar até você, como estão as coisas por aí, no nosso querido Brasil. Mande fotos da praia e das pessoas, felizes, cuidando de suas vidas. Isso será um alento para nós. Com afeto, Tom e Clara.