Vou começar esta crônica com um assunto bem aleatório, mas que depois fará sentido: você devolve o carrinho do supermercado após colocar as compras no carro ou o deixa no estacionamento?
Bem, vou dar a minha resposta: eu devolvo no lugar certinho. Mesmo que para isso eu tenha que andar alguns bons metros e enfrentar carros, pedestres e outras coisas mais neste cenário maluco dos estacionamentos.
Muitos podem não adotar esta prática e alegam que existem funcionários do supermercado para recolher os carrinhos ou que estas empresas já lucram demais com os produtos para que ainda além do dinheiro deixado lá recebam um agrado do consumidor.
Aliás, e em tempo, o dia que você quiser passar alguns minutos bestas, acesse o canal Cart Narcs, no YouTube. São mais de 600 mil inscritos que adoram ver situações em que pessoas que não devolvem os carrinhos são abordadas para que os coloquem no lugar adequado.
Bem, mas falei que a crônica não era sobre carrinho, né? O fato é que mais recentemente tenho notado que atitudes como essa, que para mim são absolutamente normais, acabam virando um ponto fora da curva, como devolver o carrinho do supermercado, estacionar corretamente na vaga em 45 graus, sem queimar faixa, parar na faixa para que pedestres passem normalmente de um lado ao outro, vestir-se corretamente para um evento, sem chamar a atenção e se demonstrar desmazelo e por aí vai. E o contrário, é mais válido ainda: naturalizar ou relativizar o que é errado.
A questão é que parece conversa de gente conversadora, mas não é. Isso tem a ver com dois conceitos que aprendi ainda na escola e que fazem parte do meu cotidiano até hoje: moral e ética. E de forma bem resumida, vou cravar que moral é o conjunto de atitudes que eu tomo e que atendem aos princípios de vida que entendo serem corretos. Já a ética compõe o conjunto de ações que eu vou tomar em nome da coletividade. Ou seja, um tem a ver com o individual e o outro com o coletivo.
Devolver o carrinho do supermercado, portanto, é para mim uma decisão moral porque eu não tenho como princípio deixar largada por aí qualquer coisa que tomei emprestada e é uma prática que atende à ética da boa convivência. Por que eu vou deixar o carrinho ocupando uma vaga de supermercado e atrapalhar com isso a vida de quem quer estacionar? Se fosse comigo, como acontece várias vezes, ficaria irritado ao ver que vou ter que parar o carro mais longe porque alguém decidiu deixar o carrinho solto.
Só que embora tudo isso pareça algo muito próprio de uma só pessoa ou atos isolados, esse exercício diário de escolher o certo mesmo quando ninguém vê é o que forja o alicerce de uma sociedade. Seja no estacionamento de um supermercado ou quando se está no comando de uma empresa ou até de um país.
A mesma integridade que nos leva a devolver o carrinho, a não estacionar errado ou a respeitar a faixa é a que, em última instância, ajuda a sustentar as instituições e a guardar a democracia. E com fé na Justiça, mais cedo ou mais tarde, os carrinhos abandonados sempre serão recolhidos e os que insistem em ocupar lugares que não lhes pertencem acabarão devidamente também recolhidos a seus devidos lugares.