“Strange Fruit”

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 25/07/2021
Horário 06:05

Dois homens negros são enforcados numa pequena cidade no sul dos Estados Unidos. Um flash de luz de uma máquina fotográfica retrata esse momento de ódio e de intolerância contra os negros. Enforcar negros nas árvores era um entretenimento para a população dessas pequenas cidades pobres no sul dos Estados Unidos. A cruz em chamas simbolizava o lado mais escuro de uma sociedade cega.
As atrocidades cometidas pelo extremismo reacionário da temida Ku Klux Klan, em nome da supremacia branca, do anticatolicismo, do nacionalismo branco, da anti-imigração e do antissemitismo. A purificação da sociedade americana seria o ideal na ótica da Ku Klux Klan. O símbolo KKK representava o racismo sem freios humanitários. 
A foto desses dois negros enforcados está nas revistas e um professor judeu de uma escola do Bronx, chamado Abel Meeropol, vê essa terrível foto. Seu coração fica indignado e triste. Em 1936, escreve um poema que iria se tornar a maior bofetada contra o racismo. Esse poema não tinha palavras doces e nem um pouco de ilusão. Abel deu o nome de “Strange Fruit”, que retrata os corpos dos negros pendurados em árvores, pela metáfora do “fruto estranho”. 
Muitos consideram “Strange Fruit” como o primeiro protesto relevante em letra e música, o primeiro clamor não emudecido contra o racismo. O próprio Abel musicou seu poema. Em 1939, a diva do jazz, Billie Holiday, conhece “Strange Fruit”. Era uma música perturbadora e perigosa para quem quisesse cantar. Como uma negra iria cantar uma música forte de protesto contra o racismo se os ouvintes ou clientes brancos queriam beber, se divertir e dar risadas? Iria causar mal estar nos ouvintes. 
Billie Holiday não se importou e, com sua história de vida sofrida, começa a cantar “Strange Fruit”. O FBI a proíbe de cantar, é perseguida, presa, perde sua licença para cantar, mas não perde a coragem. Ela cantava numa atmosfera quase sepulcral: palco escuro, apenas um feixe de luz a iluminar o seu rosto, adornado com uma gardênia atrás da orelha. A plateia pedia para ela cantar e todos ficavam anestesiados moralmente pela forte mensagem da letra de Abel Meeropol e da magistral interpretação de Billie Holiday. 
Ela sofreu todos os ataques, difamações, perseguições do FBI que reprimia, pois achava que era uma música subversiva. Billie Holiday quando cantava essa enigmática música era como se ela falasse: "Agora me escutem, se um dia a raiva dos negros explorados no sul se levantar, eu já cumpri minha missão". Foi uma impiedosa cantora negra e um professor judeu que, através de um poema de indignação, bateram muito forte no racismo. “Strange Fruit” e Billie Holiday se tornaram inseparáveis até sua morte em 1956. Em 1999, a revista Time considerou como a canção do século. 

“Fruta Estranha”

Árvores do sul dão uma fruta estranha,
Sangue nas folhas e sangue nas raízes,
Corpos negros balançando na brisa do sul,
Frutas estranhas penduradas nos álamos.

Cena pastoril do heróico sul,
Os olhos inchados e a boca torcida,
Perfume de magnólias, doce e fresco,
E de repente o cheiro de carne queimada.

Aqui está a fruta para os corvos puxarem,
Para a chuva recolher, para o vento sugar,
Para o sol apodrecer, para a árvore pingar,
Aqui está a estranha e amarga colheita.


O compositor de “Strange Fruit”, Abel Meeropol


Billie Holiday

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