A Camões – Manuel Bandeira

António Montenegro Fiúza

«Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e beleza.(…)»
A Camões, Manuel Bandeira, excerto inicial

Quem melhor que um poeta, para de outro falar, conhecendo-lhe o estilo, a alma e as motivações; num soneto petrarquiano decassílabo, como assim mandam os autores clássicos, de uma perfeição lírica transbordante, a melhor homenagem a Luiz Vaz de Camões e à língua portuguesa, que este tanto amou e que ajudou a fundar. De lírica nobre, na forma e na sintaxe, mas conteúdo objetivo e contundente; versou sobre o quotidiano simples e trivial, sem romanceio e estribilhos, sem utopias e elegias, mas dando-lhes a fidalguia necessária, para descrever toda a sua poesia.
Poeta descomplicado, conquanto rico de metaforismos e eloquência, pernambucano de gema, mas universal de alma, Manuel Bandeira é um dos mais complexos poetas brasileiros, sendo o terceiro titular, da cadeira 24 da nobilíssima Academia Brasileira de Letras, eleito em 1940.
Autor de obras poéticas de proeminência nacional e internacional, de estilo melancólico e profundo, tal como as suas palavras, Manuel Bandeira escreveu “A Cinza das Horas” metafórica desde o título e por todos os 50 poemas que a compõem; “Carnaval” e “Libertinagem”.
Cronista, biógrafo, antologista e tradutor, percorreu quase todas as áreas da literatura, como quem, em passos de dança, percorre um salão nobre, recolhendo sonhos e vivências ou como um beija-flor, de asas miúdas e aceleradas, colhendo o doce néctar de cada flor. 
Cantou a Camões, quem, com a pena e com a espada, labutou pela nação lusitana, fazendo dele nobre fundador da língua portuguesa – à qual Manuel Bandeira tece a mais profunda homenagem, em cada um dos seus escritos, pelo singelo ato de a utilizar. 
«Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da pátria portuguesa.
A Camões, Manuel Bandeira, segunda estrofe
Com uma imagem marcante para a sua época, imponente e solitário, com laivos de introversão e introspeção, Manuel Bandeira observava o mundo com olhos de criança e transcrevia-o, tal qual o via, como quem se surpreende a cada momento. 
E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

Não morrerá sem poetas nem soldados
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.»
A Camões, Manuel Bandeira, últimas estrofes

 

 


 

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