A cegueira dos intelectuais

OPINIÃO - José Renato Nalini

Data 14/12/2021
Horário 04:30

O intelectual nem sempre é lúcido. Ele pode ser erudito e talentoso. Mas equivoca-se amiúde em suas opções políticas. O caso mais emblemático é Martin Heidegger. Um filósofo respeitado, que se encantou com o nazismo. Isso invalida a sua obra? Não, é óbvio. Mas as patrulhas ideológicas não perdoam. Reduzem a dimensão do trabalho produzido, como se a opção política fulminasse a consistente contribuição heideggeriana ao pensamento filosófico.
Jean-Paul Sartre, o “pai do existencialismo”, comparava a União Soviética ao paraíso da liberdade. Pablo Neruda, o incrível poeta, era fã de Stalin e Jorge Luiz Borges, cujos escritos encantam o mundo, só não recebeu o Nobel de Literatura porque aceitou uma condecoração de Pinochet em 1976. 
Ninguém escapa à revisão. O próprio Aristóteles justificava a escravidão, a pena de morte e considerava a mulher uma forma humana inferior. Pretende-se diminuir a importância do maior jusfilósofo brasileiro, Miguel Reale, criador da inexcedível teoria tridimensional do direito, porque foi integralista em sua mocidade. E Plínio Salgado, romancista criativo, é relegado a segundo plano porque foi o próprio criador do Integralismo. 
Alguém recusaria o brilho de Machado de Assis e de Carlos Drummond de Andrade porque foram funcionários públicos?
Por isso é compreensível que pessoas eruditas não consigam perceber que se agarram a modelos incompatíveis com a sua estatura intelectual, movidos por uma estranha sedução. Atrelados a uma postura aparentemente abonadora de pautas confessionais ou de costumes, deixam de lado aquilo que sua origem e sofisticada educação abominariam. Parecem não enxergar o comportamento rústico, de verdadeiro primata, em todas as outras opções do líder que escolheram. E do qual não abdicam, tentando justificar o injustificável. 
Esse o perigo do fanatismo, que existe em dois polos opostos, ambos incapazes de manter, com o campo adverso, um diálogo franco, aberto e sereno. A paixão faz com que, antes mesmo de ouvir o argumento contrário, surjam a exasperação, a ira, a violência verbal, sintomas preocupantes quando externados por pessoas cuja educação formal as colocaria num outro nível. Quão nefasta é a política!

 

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