Vivemos um tempo paradoxal: nunca houve tanta informação disponível, e nunca estivemos tão desinformados. O que antes era ignorância involuntária, hoje se tornou uma escolha. Em meio à avalanche de dados, manchetes e opiniões, muitos não buscam mais compreender o mundo — buscam apenas confirmar suas próprias crenças.
A verdade, que sempre foi árdua, perdeu espaço para o conforto da convicção. E o resultado é um mundo onde a crença triunfa sobre a evidência, e onde as emoções pesam mais que os fatos.
No livro “Mercadores da Dúvida”, Naomi Oreskes e Erik Conway revelam como um pequeno grupo de cientistas e empresários aprendeu a transformar a dúvida em arma política. O método é simples e devastador: quando a verdade ameaça interesses poderosos, semeie a incerteza.
Foi assim com o cigarro e o câncer, com o DDT e a chuva ácida, e agora, com as mudanças climáticas — o tema mais urgente da nossa era. A estratégia é sempre a mesma: financiar “especialistas” para questionar evidências, amplificar vozes dissonantes, confundir o público e, assim, adiar a ação coletiva.
A dúvida, quando fabricada, é mais eficaz do que a mentira. A mentira pode ser desmentida; a dúvida, não. Ela corrói silenciosamente a confiança na ciência, nas instituições e até no senso comum.
É curioso — e trágico — observar como tantas pessoas querem acreditar que as mudanças climáticas não existem, mesmo quando a realidade as cerca de provas: secas prolongadas, tempestades violentas, calor recorde, colheitas perdidas. Mas negar é mais fácil do que mudar.
Por trás da negação, há medo. Medo de perder conforto, status, consumo, privilégios. E há também ideologia: quando a economia se torna um dogma, e o mercado, uma religião, admitir que o planeta está em colapso é quase uma heresia.
A ideologia, então, deixa de ser um modo de interpretar o mundo e se transforma num escudo emocional — um abrigo contra verdades incômodas. O indivíduo não procura mais o que é real, mas o que o tranquiliza.
Essa fragilidade humana é explorada com precisão por conglomerados econômicos e correntes políticas que dependem da inércia. Ao transformar a ciência em “opinião”, e a opinião em “liberdade de expressão”, constroem uma falsa equivalência: como se o aquecimento global fosse apenas um ponto de vista, e não um fato físico mensurável.
Com isso, a negação ganha respeitabilidade. Ela se disfarça de ceticismo, de prudência, até de patriotismo. O cidadão, ao duvidar da realidade, sente-se rebelde — quando, na verdade, está apenas reproduzindo o discurso dos poderosos.
O risco maior não é apenas ecológico — é civilizatório. Quando perdemos o senso de realidade compartilhada, a democracia se desfaz. Sem um chão comum de fatos, tudo vira narrativa, tudo vira torcida, tudo vira guerra cultural.
É o que vivemos: uma era em que o planeta queima e parte da humanidade discute se há fogo; uma era em que o colapso climático é tratado como opinião política, não como evidência científica.
Negar é fácil. Encarar a verdade exige coragem. Mas sem essa coragem, a dúvida fabricada se tornará o oxigênio da ignorância.
As gerações futuras talvez olhem para nós com o mesmo espanto com que hoje olhamos para quem dizia que cigarro não fazia mal. E talvez se perguntem: como puderam duvidar do óbvio, enquanto o mundo ardia?
A resposta é simples — e terrível: porque duvidar, naquele tempo, era mais confortável do que mudar.