A estrada se alonga, interminável. Deixo para trás a cidade grande. A equipe técnica deixou sobre a mesa relatórios e gráficos; os professores engajados continuam a tecer redes, novas parcerias, projetos que parecem querer costurar a cidade e o campo. Tudo isso me atravessa, como se o motor do carro fosse também motor de ideias.
Ao ver a terra nua à beira da estrada, o olhar se desprende do asfalto e lembro de Milton Santos: o tempo não é apenas cronologia, mas camadas que se sobrepõem. No entroncamento das rodovias, vejo o encontro desses tempos: o da circulação veloz e o da espera silenciosa do plantio; o da cidade que avança e o da roça que resiste; o tempo da pressa e o tempo da pausa. Penso também no livro de João Moreira Salles que me aguarda: a floresta como cultura, não só como bioma. É quase um chamado.
Se a cidade grande me oferece marcos de pedra e papel, a floresta insiste em outro idioma — feito de troncos, raízes e cantos invisíveis. E lá longe, Juliana acompanha a construção da nossa Casa da Floresta. Belo conceito: uma casa que não se ergue para dominar, mas para explicar a necessidade da floresta em pé. Uma casa que é também manifesto.
No fim, entre São Paulo e a minha casa, percebo que a estrada é um espaço suspenso, onde memórias e projetos se entrelaçam, como se a vida se fizesse nesse ir e vir constante — entre o íntimo e o coletivo, entre a cidade e a floresta, entre o tempo vivido e o tempo que ainda nos espera. É a Geografia quem dita o ritmo.
Ainda restam 300 quilômetros, mas sinto que a viagem mudou de fisionomia. Deixamos para trás a “borda da cuesta” e seguimos lentamente descendo o velho Planalto Ocidental Paulista. Há algo de melancólico nesse relevo aplainado, como se a terra, cansada de tanta erosão, tivesse aprendido a se deitar com humildade. E então, como se estivesse de volta à universidade, a cabine do carro se transforma em sala de aula. Imagino diante de mim Aziz Ab’Saber, com sua clareza ao desenhar no quadro as superfícies de aplainamento. Com sua didática paciente, ele destaca os processos erosivos que moldaram este planalto, lembrando que o Grupo Bauru não é apenas “areia e mais areia”, mas testemunho de rios e ventos do Cretáceo.
E com sua paixão pela geomorfologia paulista, descreve como os basaltos sustentaram patamares resistentes antes de cederem à erosão. O planalto, que agora parece monótono aos olhos cansados, torna-se livro aberto para quem aprendeu a lê-lo. Sinto-me de novo aluno, atravessado pelas vozes desses mestres que souberam transformar formas do espaço em narrativas da Terra.