Amor de carnaval

Sandro Villar

O Espadachim, um cronista a favor da serpente e da serpentina

CRÔNICA - Sandro Villar

Data 02/09/2021
Horário 05:30

O garçom Valdomiro conseguiu juntar um dinheirinho para brincar o carnaval em Olinda. O que ganhava de gorjeta dos fregueses tinha destino certo: a conta da poupança que abriu naquele banco oficial conhecido pela siga CEF e que cogita sair da Febraban.
Por mais de um ano ele economizou e até passou certas privações dignas de faquir. Só assim poderia pagar a passagem de avião para Pernambuco, terra dele e de seus pais. Não teria despesa com hospedagem, pois ficaria na casa de um primo lá mesmo em Oh, Linda, quer dizer, Olinda.
No meio da semana, antes de começar a festa, Valdomiro se mandou. Embarcou em Cumbica. Era a primeira vez que viajava no "mais pesado do que o ar" (não era assim que chamavam o avião?). Já na quinta-feira caiu na folia e se encantou com o carnaval de rua, que, segundo os especialistas, é o verdadeiro carnaval.
Atleta de fim de semana, deu-se bem no frevo e em outros ritmos frenéticos. Vai pra lá, vem pra cá e eis que lançou seu olhar 43 na direção de uma morena de olhos verdes, serenos como um lago, como diz um dos versos do bolero “Aquellos Ojos Verdes”, do compositor Nilo Menendez (crônica também é cultura). 
Por falar em olhos verdes, esta cor de olhos em gente feia é como o feriado que cai no domingo: não adianta nada. Mas adianto que não é o caso em questão, pois a morena era linda, dessas de fazer padre abandonar a batina e muçulmano abandonar o Ramadã.
Com aquela mulher deslumbrante, um pedaço de bom caminho, o garçom mal percebeu o desfile dos bonecos de Olinda, que estão mais altos do que o custo de vida, e do Homem da Meia-Noite.
Depois de muito empurra-empurra, ele, finalmente, atingiu o "alvo". "Olá, sou Valdomiro", disse, ao que ela emendou: "Muito prazer, Ivonete!" Os dois pularam até o sol raiar. Marcaram encontro para a noite seguinte e se viram mais algumas vezes até quinta-feira de cinzas, já que em Olinda não tem esse negócio de Quarta-feira de Cinzas.
Fim do Reinado de Momo. Valdomiro voltou para São Paulo e dez meses depois teve uma surpresa. Alguém bateu na porta de seu barraco. Era Ivonete, a morena de Olinda. 
Ela carregava no colo um bebê rechonchudo. "Toma que o filho é teu", falou a mulher, tendo o cuidado de acrescentar: "É meu também". Pois é, amor de carnaval, sem camisinha, dá nisso, ou seja, aumenta a população, o que pode ser comprovado na pesquisa do IBGE.

DROPS

O carnaval não é uma festa pagã. É uma festa paga.

Não são apenas os foliões que pulam no carnaval. Os preços também pulam.

Se o reinado é de Momo, então quem manda é ele?

As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar.
(Zé da Zilda e Zilda do Zé na marcha “Saca-Rolha”)
 

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