Antonin, o homem de lugar nenhum

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 04/09/2022
Horário 05:30

São 6h da manhã quando o portão principal da Penitenciária de Bangu 1 se abre e um homem sai somente com a roupa do seu corpo e os bolsos cheios de esperança. Seu nome é Antonin e no seu peito está uma tatuagem de um cisne negro. O cisne negro tem uma simbologia criada pelo filósofo Nassin Taleb, como um "ponto fora da curva". 
Antonin foi um menino prodígio e com um QI acima da média. Seu pai, Amadeu dos Anjos, foi um professor de filosofia que antes de morrer, pediu a Deus para perdoar seu único filho. Seu pai era adepto da filosofia chamada Utilitarismo, defendida no século XIX pelo político e economista inglês, John Stuart Mill. Sua mãe, Elizabeth, era uma professora de português e hoje vive em profunda depressão. Não havia ninguém para abraçá-lo na sua saída da penitenciária. Viveu sua vida como uma ave de papel dançando no olho do furacão. Era um leitor voraz e na sua adolescência lia livros que não era normal pela sua pouca idade. 
William Faulkner era um dos seus escritores preferidos assim como Dante Alighieri, James Joyce, Cervantes, Honoré de Balzac, Vladimir Maiakovski, Dostoiévsky, Tolstói, Gustave Flaubert, Olavo Bilac e os poetas românticos ingleses formavam sua cultura literária. Seu romantismo juvenil abraçado na sua imaturidade o levou a acreditar na utopia do socialismo. Passou a romper com todos os valores, como família, religião, amizade e a moral judaico-cristã era um freio para o homem atingir a plena liberdade. 
Olhava o sistema como o Capitão Ahab olhava a baleia branca Moby Dick do livro de Herman Melville. Entrou na luta armada no Brasil. Foi preso em Ilha Grande e lá conviveu com presos políticos e marginais comuns. Tinha largado tudo para ser um homem de lugar nenhum. Viu nascer o Comando Vermelho criado por Rogério Lemgruber e Escadinha. Fugiu de Ilha Grande e entrou no tráfico como uma forma de protesto. Tinha abandonado sua pequena Isabel e sua mulher ao Deus dará. Tinha se tornado um alcoólatra e um viciado em cocaína. 
Nesses seus 15 anos de prisão, o partido político que ele acreditava tinha chegado ao poder. A corrupção foi mais forte que a tão sonhada ideologia e seus líderes comandaram o maior esquema de corrupção da história do mundo. Se sentiu traído e percebeu que os mais vivos governam os menos vivos. Passou a frequentar um grupo na prisão de alcoólicos anônimos e frequentar cultos religiosos da Igreja Universal do Reino de Deus. Depois de três anos limpo, recebeu os parabéns dos colegas cujas histórias de vida são como navalhas cortando a própria carne. Seus sonhos viraram cinzas, sua inocência foi devorada pelo sistema, o mundo já tinha feito seu trabalho sujo. 
Com todo esse carinho dos amigos presos, disse emocionado: "Aprendi nesses longos anos preso que a esperança é um dom. Fiz muita merda e não me lembro que estive tanto tempo limpo, a não ser quando eu estava no útero de minha mãe. Perdi tudo e muitas pessoas que me amaram não aguentaram o meu jeito de ser. Acreditei numa ideologia e me tornei um caos ambulante. Me sinto um idiota  e minha vida foi cheia de som e fúria, sem significado nenhum.  Sonhei o sonho dos tolos e me tornei um homem que perdeu todas as referências e valores nobres como a família. 
Mudar o mundo é uma missão impossível? E mudar para quem? Quando vejo pessoas vejo poder e ambição. Muitas vezes em plena solidão desejava que a minha morte chegasse rápida. Aprendi que a natureza humana é fraca, é covarde, ambiciosa, hipócrita e cínica, onde o homem esquece mais facilmente a morte de um pai do que aquele que lhe toma um bem, como bem disse Maquiavel no seu livro “O Príncipe”, escrito em 1532. 
Mudou alguma coisa? “A grande revolução está dentro de nós mesmos e nós é que temos que nos mudar”.  Todos o aplaudiram e foram abraçá-lo desejando um recomeço de vida feliz. O calor humano ainda é o melhor remédio para curar as desilusões. 
Antonin caminha pela calçada, não quer pensar em mais nada, apenas quer reconquistar sua filha Isabel, abraçar e beijar sua mãe, rir com seus antigos amigos, vibrar com seu time de coração e visitar sempre o túmulo de seu amado pai. Essa vai ser sua história de sucesso, essa vai ser sua verdadeira revolução. Não quer mais ser  um homem de lugar nenhum. Vai caminhando como se fosse a última luz do sol, com um samba no coração de Cartola e Candeia:

"Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver"...

Publicidade

Veja também