A cada novo caso que vem à tona, o país é novamente confrontado com uma pergunta que insiste em ecoar sem resposta: até quando? Até quando mulheres seguirão vivendo aprisionadas pelo medo, pelo silêncio imposto, pela brutalidade cotidiana que insiste em se repetir como uma ferida aberta na sociedade brasileira?
O episódio registrado em Adamantina expõe mais uma vez a face mais cruel dessa tragédia anunciada. Um homem permaneceu encarcerado na Delegacia de Defesa da Mulher após ser preso pelos crimes de estupro, cárcere privado, lesão corporal e tráfico de drogas. Durante toda a noite, a companheira foi mantida trancada dentro da própria casa, espaço que deveria representar refúgio, mas que se transformou em cativeiro. Enforcada, ameaçada e obrigada a manter relações sexuais contra sua vontade, a vítima só conseguiu romper esse ciclo quando encontrou brecha para fugir ao amanhecer.
A denúncia imediata levou a Polícia Militar a localizar o agressor nas proximidades do imóvel, onde ainda foram encontradas porções de maconha. O caso agora segue sob investigação da Polícia Civil. E, embora cada detalhe seja estarrecedor, nada disso é isolado. Nada disso é novo. Nada disso deveria mais surpreender.
A violência doméstica tornou-se uma das expressões mais brutais da desigualdade estruturada e da misoginia naturalizada no país. Apesar dos avanços legais, Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, canais de denúncia, o que se vê diariamente é que muitas mulheres ainda vivem em territórios onde Estado, proteção e justiça chegam tarde demais.
Os lares continuam sendo palco de torturas silenciosas, que vão muito além das agressões físicas. O controle, o medo, a humilhação, o isolamento e o terror psicológico se acumulam até que a denúncia se torne, muitas vezes, o último recurso de sobrevivência. E quando um caso chega ao noticiário, quantos outros permanecem escondidos atrás de portas fechadas?
Este editorial não pretende apenas registrar mais um episódio de violência, porque isso, infelizmente, é rotina. Pretende cobrar. Provocar. Despertar. É urgente fortalecer políticas públicas, ampliar o acesso a redes de apoio, garantir rapidez nas medidas protetivas, investir em prevenção e educação, responsabilizar agressores com rigor real. Mas também é necessário que a sociedade como um todo rompa o ciclo de omissão.
Até quando vamos aceitar que histórias como essa façam parte da normalidade? Até quando vamos esperar a próxima manchete para reagir? Até quando mulheres continuarão fugindo de suas próprias casas para sobreviver? Enquanto essas perguntas seguirem sem resposta, a violência doméstica continuará sendo o reflexo mais evidente de um país que ainda não protege suas mulheres como deveria.