O terceiro encontro do curso Cultura em Tempo de Crise Climática me deixou com mais perguntas do que respostas. E, olha, talvez esse seja o melhor sinal de que a aula foi boa. Alexandre Barbalho não chegou com certezas. Chegou com provocações. E eu, que fui ouvindo e anotando, fui me perguntando: o que é possível medir quando falamos de cultura? E mais ainda — o que se perde quando a gente tenta contar demais?
Barbalho falou com firmeza, mas sem arrogância. Disse que indicadores não são neutros. Que eles não servem apenas para informar, mas também para legitimar decisões, excluir práticas, reforçar estruturas. E essa fala me pegou em cheio. Porque, como alguém que vive e pensa cultura, eu sei o quanto os números às vezes não dizem nada. Um sarau de favela com 15 pessoas pode ter um impacto muito mais profundo que um show caro num teatro lotado. Mas quem mede isso?
Ele citou autores como Sakiko Fukuda-Parr, dizendo que indicadores são instrumentos de diálogo político, não apenas estatísticas frias (BARBALHO, 2018). Isso me fez lembrar de tantas vezes em que projetos culturais foram avaliados só pelo público ou pela verba gasta — sem considerar os afetos gerados, as sementes plantadas.
A fala dele foi um chamado para olhar para a complexidade da cultura como fenômeno social vivo. E mais: entender que medir cultura não é só um ato técnico, mas um gesto político. É escolher quem vai aparecer no mapa e quem vai continuar nas bordas. Nas palavras dele, “não se trata apenas de medir cultura, mas de reconhecer mundos” (BARBALHO, 2018, p. 50). Forte, né?
Saí da aula pensando em todas as vezes em que tivemos que traduzir nossos projetos para os formulários dos editais — apertando ideias vivas em caixas fixas. E fiquei me perguntando: será que não está na hora de a gente também reivindicar outras formas de contar? Contar história em vez de planilha. Contar presença em vez de bilhete. Contar sentidos em vez de centavos.
Barbalho nos lembrou que, sim, avaliação é necessária — mas que ela pode ser construtivista, participativa, qualitativa. Uma avaliação que escuta, que compreende, que respeita o contexto e os sujeitos. E, acima de tudo, que se abre ao desentendimento, como diz Jacques Rancière. Porque talvez o que mais falte ao mundo hoje seja isso: espaço para desacordar sem se anular.
No fim, fiquei com a imagem de um contador que não se contenta com números. Que conta histórias, afetos, desejos. E que mede o impacto de uma política não só no papel, mas nas transformações que ela provoca em quem vive. Talvez seja esse o papel da cultura em tempos de crise: fazer a gente reaprender a medir a vida — e não só os dados.
Referências sugeridas
BARBALHO, Alexandre. Políticas e Indicadores Culturais em tempos de Democracia: a experiência brasileira. In: BARBALHO, A. (org.). Cultura e democracia no Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 2018. p. 43-60.