Peço licença, caro leitor, para relatar, nessa crônica, parte do trabalho que desenvolvo na universidade, no curso de Licenciatura em História da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, campus de Assis, em especial, na disciplina Filosofia e Educação. Como parte das atividades avaliativas, solicitei aos estudantes, inspirado no trabalho da colega Thamara de Oliveira Rodrigues, a quem agradeço pela excelente ideia, que tomei de empréstimo, que os discentes solicitassem a amigos e familiares, preferencialmente, que não tivessem nenhuma relação com a universidade e com o curso de História, que produzissem um texto a partir da pergunta, aparentemente simples: Como você pensa e reflete sobre o passado, o presente e o futuro?
A partir do texto produzido pelos familiares e amigos, os discentes deveriam relacionar as ideias sobre a temporalidade contidas nessas reflexões, com filósofos da história lidos e discutidos no semestre, entre eles, Kant, Hegel, Marx e Nietzsche. Para minha surpresa, os textos produzidos e as análises realizadas revelaram aspectos bastantes interessantes acerca das relações entre a História, a Filosofia e a Vida, mostrando que, de certo modo, é preciso concordar com Nietzsche a respeito das “Utilidades e das desvantagens da História para a Vida”.
Gostaria então de apontar três aspectos observados nos textos e nas análises dos estudantes. Em primeiro lugar, fica clara a relação existencial da vida com o processo histórico, uma vez que a totalidade dos textos estabeleceram relações intrínsecas entre as trajetórias de vida, individual e familiar, com aspectos da história recente do país, com relatos muito sensíveis e pertinentes acerca dos aspectos econômicos, sociais e políticos da história brasileira, mostrando que, as dimensões da História e da Vida são mesmo inseparáveis.
O segundo aspecto observado, o mais interessante deles, a meu ver, é constatar o quanto estão inter-relacionadas as mais sofisticadas elaborações filosóficas da Filosofia da História, com as concepções de tempo, de temporalidade e das relações entre o passado, o presente e o futuro, em textos produzidos por pessoas leigas, não afeitas a discussões filosóficas e históricas. A concepção cristã da temporalidade, observável na obra de Santo Agostinho, foi bastante recorrente, mas além dela, foi possível notar a presença de uma concepção Aristotélica do tempo, sobretudo, sua concepção do agora, que liga o passado que já foi e o futuro que não é ainda.
Além disso, pudemos observar que a visão kantiana de um progresso moral está arraigada nas concepções de temporalidade das pessoas, além das contradições dialéticas desse processo, tal como observado na obra de Hegel. Contudo, é a concepção materialista e dialética da História aquela mais presente nessas análises, indicando o quanto as questões materiais ainda norteiam o processo histórico e da vida das pessoas em nosso país. Por fim, a dimensão da lembrança e do esquecimento acerca do passado, problemática discutida por Nietzsche, pôde revelar a dimensão afetiva e psicanalítica que o passado pode representar.
Por fim, o terceiro aspecto que me chamou a atenção é o quanto o futuro permanece dentro de um horizonte de incertezas, muito em parte devido àquilo que se observa no presente diante de questões sociais, econômicas, ambientais e tecnológicas, reflexões que também aparecem nos debates recentes da Teoria e da Filosofia da História.
Agradeço, sinceramente, às turmas 65, matutino e noturno, por me permitirem adentrar à intimidade das dimensões da história, da filosofia e da vida de seus amigos, familiares e de vocês mesmos, na leitura e correção de seus trabalhos.
“as dimensões da História e da Vida são mesmo inseparáveis”