Do ensino infantil ao superior: professoras falam sobre vivência na arte de ensinar, aprender e educar

No Dia dos Professores, reportagem especial traz histórias e perspectivas de três docentes a respeito dos aprendizados em sala de aula e da necessidade de valorização da classe, tanto em Presidente Prudente quanto no país  

PRUDENTE - DA REDAÇÃO

Data 15/10/2023
Horário 04:10
Foto: Divulgação
Dia dos professores: mestres relatam os prazeres e desafios em lecionar
Dia dos professores: mestres relatam os prazeres e desafios em lecionar

Na obra “Pedagogia do Oprimido”, de 1968, o educador brasileiro Paulo Freire, nascido em 1921 no Estado de Pernambuco, pontua: “não há saber mais ou saber menos: há diferentes saberes”. Naquele contexto, sob um pano de fundo de extrema desigualdade social em um Brasil fragilizado sob os ditames de chumbo dos militares e diante de uma alta taxa de analfabetismo da população, que chegava a 40% dos brasileiros de acordo com dados do MEC (Ministério da Educação), Freire argumenta que a educação deve ser “um meio de libertação, permitindo que as pessoas superem a opressão cotidiana e atinjam uma maior consciência de si mesmas e de seu ambiente”.

Levando em consideração o que cita o educador brasileiro em relação à diversidade do saber amplo entre as pessoas e o potencial que cada um tem diante de si para a construção de uma sociedade mais justa, a reportagem de O Imparcial traz, neste domingo (15) de Dia dos Professores, as histórias e perspectivas de três docentes a respeito das vivências e desafios na mais basilar das profissões: a de professor, pessoa que não transfere conhecimento – tal como uma transação financeira -, mas, sim, conforme Freire, dá condição e possibilidades para que o indivíduo tenha autonomia na sua construção enquanto ser humano, como ser social.

Contribuem para o fluxo deste texto, as professoras Gislaine Aredes Soares dos Santos, Elaine Tomazoli e Thaisa Sallum Bacco. Em certos momentos, as três histórias se entrelaçam, já em outros, as perspectivas complementam-se.

 

O TEMPO NA DOCÊNCIA
Gislaine leciona há dez anos na educação infantil e nas turmas iniciais do ensino fundamental. Atualmente, ela dá aulas na Escola Municipal Professora Jovita Terin e para o 3° ano do ensino fundamental da Escola Municipal Rui Carlos Vieira Berbert, ambas no Conjunto Brasil Novo, em Presidente Prudente. Elaine, cujo plano principal quando jovem não era ser professora, exerce sua profissão ainda na Escola Champagnat, também na educação infantil. “O curso de Pedagogia surgiu como uma oportunidade conquistada através do Prouni [Programa Universidade Para Todos]. Desta maneira, comecei minha caminhada na área da educação e, hoje, tenho a plena certeza de que foi a melhor decisão que tomei, pois amo o que faço”, pontua. 

Já Thaisa começou a ensinar na adolescência, quando tinha entre 14 e 15 anos, auxiliando nas aulas do curso técnico de piano no então Conservatório Municipal de Rancharia. Na docência na educação superior, no curso de Jornalismo, já se vão 23 anos, desde o seu início na Fema (Fundação Educacional do Município de Assis). Hoje em dia, Thaisa ministra aulas na Unoeste (Universidade do Oeste Paulista) e é presença fundamental na formação de novas e novos jornalistas em Presidente Prudente.

 

TRANSFORMAÇÃO SOCIAL,

A FIGURA DO PROFESSOR PARA TAL

Em comum, permeia entre as três docentes o entendimento que a educação é uma ferramenta necessária para transformação social por meio do indivíduo, tendo o professor como ponte essencial para que isso ocorra.

Para Thaisa, as escolhas e a liberdade do indivíduo sempre perpassam pelo conhecimento que o sujeito tem das coisas, para que tome decisões de acordo com aquilo que acredita e, a partir disso, possa ser feliz e, assim, atingir seus predicativos - objetivos e propósitos. “Penso que o conhecimento gerado pela educação proporciona isso: a liberdade do pensamento para que as pessoas serem, de fato, aquilo que acreditam, da forma, no momento e onde elas querem. Acho que é isso o que importa realmente na vida e a educação age neste sentido. O professor no cenário da educação é o companheiro nesta jornada e pode não entregar, mas, sim, sinalizar isso”, pontua a docente.

Conforme Elaine, o legado da transformação é guiado pelas boas lembranças e pelo aprendizado conduzido no amor, no cuidado e nas brincadeiras. “Que meus alunos possam sempre lembrar de mim com um sorriso no rosto”, profere a professora, que relata que cada estudante é único e que o aprender é pautado nas relações com o outro. Porém, ela indica que, como principal aprendizado, o que fica é que “a prática é diferente da teoria”. “O professor precisa se reinventar, estudar e estar sempre disposto a aprender”.

Já Gislaine acredita que todos os alunos têm a capacidade de alcançar seu potencial máximo, como “uma forma de ascensão social e superação das desigualdades sociais presentes na nossa sociedade”.

Ela conta que a vontade de se tornar professora veio a partir da crença de que a educação é um caminho para a superação das desigualdades sociais presentes no atual estado das coisas no mundo em que vivemos. “Tenho o desejo de contribuir com a jornada de aprendizado das crianças, ajudando-as a desenvolver habilidades de leitura, escrita, matemática, ciências, mas, acima de tudo, do pensamento crítico, incentivando-as a explorar a criatividade, curiosidade e a capacidade de questionar”, justifica a docente.

 

A NECESSIDADE DE VALORIZAÇÃO POR

PARTE DA SOCIEDADE E DO PODER PÚBLICO

Tomando em conta o cenário da educação no município, Elaine relata que a principal problemática está associada à falta de diálogo por parte da gestão pública e do cumprimento da lei. “Precisamos de escolas bem estruturadas, materiais de qualidade e o cumprimento do piso salarial do professor”.

Diante do contexto, a docente acredita que o poder público é o principal norteador e representante do povo. “Para que a valorização comece a tomar força, ela precisa partir dos nossos representantes. O poder público tem o poder de persuasão e estão diretamente ligados ao povo. Então, sim, é muito importante que eles nos valorizem para que a população de um modo geral também nos valorize”, frisa Elaine.

Gislaine versa de maneira parecida e pontua que a valorização docente está, de certo modo, teoricamente “na boca de todo mundo”, mas na prática não é o que acontece. Ela relata que desafios na sobrecarga de trabalho e na quantidade inadequada de alunos por sala na escola pública são quesitos que evidenciam o não cumprimento do Plano Municipal de Educação, além do não reconhecimento da necessidade de tornar equivalente o salário do professor com as demais profissões. “Muito se fala em valorizar a educação, mas quando se trata de questões salariais, nos sentimos extremamente desvalorizados e injustiçados”.

“Em Presidente Prudente acredito que a reinvindicação mais urgente está associada ao não pagamento do nosso piso salarial da maneira correta. O piso do magistério é salário inicial e deve ser estendido ao nosso plano de carreira”, argumenta Gislaine.

Thaisa cita a questão macro na história da educação brasileira. “No Brasil é impressionante o quanto o professor é desvalorizado, não só ele, mas a educação como tal”. Para a docente, a educação é vista como uma área pensada diante de uma perspectiva meramente econômica: é o quanto custa e não quanto à sua importância. “Isso é perigoso e ruim porque na área educação não importa o quanto custa o processo e o profissional que vai orientar este meio. O que interessa, de fato, na educação é o seu fim e o quanto ela pode contribuir para a dimensão humana, que é responsável por todas as outras áreas num contexto global”, pontua a docente.

Para Thaisa, o problema do país neste quesito é a desvalorização do campo da educação como um todo. “É a falta de vontade política para que a sociedade seja emancipada e com liberdade de decisão e oportunidades iguais”, pontua a docente, que também é pesquisadora na área. “Acredito que a educação não pode ser pensada sob o viés econômico, mas, sim, a partir de uma dimensão política e social, que é a ideia a partir da emancipação dos sujeitos. A partir disso, conseguimos entender qual é o verdadeiro papel do professor”. 

Vale ressaltar que, segundo os dados do Censo de Educação Superior 2022, 75,7% dos jovens de 18 a 24 anos não cursam o ensino superior. Os dados foram divulgados na última terça-feira (10) pelo MEC e pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

 

SEGURANÇA NAS ESCOLAS

Para Elaine, o cenário recente de violência nas escolas é, sem dúvida, uma preocupação séria para todos, principalmente para os professores. “A segurança das escolas é fundamental para criar um ambiente de aprendizado saudável e produtivo.  Como professora, é natural sentir preocupação em relação à segurança na escola em que dou aula, pois poucas providências foram tomadas para aumentar a sensação de segurança no ambiente escolar e muitas vezes nos sentimos extremamente vulneráveis e expostos a perigos em relação à segurança”, relata a docente. “Estaremos sempre expostos a esse tipo de situação, que pode acontecer em qualquer lugar”, indica a professora.

Thaisa reconhece que na Unoeste e no ensino superior o cenário é de segurança e, como pesquisadora, pontua que esta realidade não é a geral nas escolas do país. “A questão relacionada a segurança é iminente. Primeiro, de fora para dentro, por conta de a escola ter esta desvalorização na educação, ela não é configurada como um espaço que mereça respeito em todas esferas e assim acaba sendo marginalizada. Se não há esta política pública de valorização, logo a sociedade não está nem sempre preparada e formada para pensar de forma contrária”, argumenta Thaisa. “E é de fora para dentro também. É muito comum hoje em dia ouvirmos discursos de hostilização contra o professor neste cenário de desvalorização da profissão como um todo”, complementa a docente.

“Considero que esta desvalorização profissional também é uma violência contra o professor”, sintetiza.

 

HISTÓRIAS QUE MARCAM

Por fim, quando questionada se alguma situação específica marcou a sua trajetória enquanto professora, Thaisa conta que não há um momento em questão, mas, sim, vários. “São muitos momentos. Acho que quando a gente vê o estudante no exercício profissional, satisfeito com aquilo ou quando conquista alguma coisa mediante o seu próprio esforço, acho que estas histórias são diárias. Penso que isso é o que importa: ver que o estudante que passou pela gente é detentor de sua própria história, de seu próprio pensamento. São muitas histórias”, conta a docente, que, porém, se diz sensibilizada ao saber de alunos que seguiram carreira na docência. 

Já para Elaine, em dez anos de atuação na educação, vários momentos marcaram, tanto em sala de aula quanto na luta pela valorização da categoria, no entanto, o contexto da pandemia foi o mais marcante para a docente. “Tínhamos de lidar com muitos fatores, tanto pessoais quanto profissionais. Nós não paramos, trabalhamos incessantemente, sempre buscando garantir a aprendizagem de nossos alunos

Gislaine converge em relação à Elaine. “Durante a pandemia, tivemos que nos reinventar rapidamente, migrando para o ensino à distância, adaptando currículos e desenvolvendo novas estratégias de envolvimento dos alunos, e esse foi um momento muito desafiador, pois tivemos pouco suporte do poder público e toda a responsabilidade de manter o ensino, ainda que a distância foi nossa, com um acesso muito restrito a recursos tecnológicos”.

Fotos: Cedidas

Thaisa Sallum Bacco ministra aulas na Unoeste e é presença fundamental na formação de novas e novos jornalistas em Presidente Prudente


Gislaine Aredes Soares dos Santos é professora há dez anos na Educação Infantil e nas turmas iniciais do Ensino Fundamental; ela foi mãe recentemente

Cedida

Elaine Tomazoli é docente há uma década e leciona na Escola Jovita Terin e na Escola Champagnat, em ambas como professora de Educação Infantil

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