Ela enxerga o mundo com apenas um olho

Conheça a história de Maria Célia, que é monocular do olho esquerdo há mais de 20 anos, e usa prótese

PRUDENTE - OSLAINE SILVA

Data 17/12/2020
Horário 04:00
Foto: Weverson Nascimento
Maria Célia: “Ser monocular não é o fim do mundo”
Maria Célia: “Ser monocular não é o fim do mundo”

Você já fechou um dos seus olhos para ver de que forma enxerga as coisas? Aposto que sim. É horrível, não? Pois bem, para entender melhor como é a vida de alguém que vê o mundo que o rodeia com apenas uma das vistas, a reportagem falou com Maria Célia Monteverde Dolfini, 62 anos, aposentada por invalidez, que é monocular do olho esquerdo há mais de 20 anos, devido a um descolamento de retina. 
Recentemente, no dia 14 de setembro, ela fez a enucleação do olho esquerdo. “A adaptação com a prótese foi excelente. Sabe, até pouco tempo a questão do monocular era praticamente desconhecida. E atualmente é que vem sendo mais difundida, divulgada. Amália Barros deu uma entrevista à Fátima Bernardes, acho que há uns três anos, sobre, e poucos sabiam do uso da prótese ocular, que é fantástico. Te deixa praticamente normal. É imperceptível”, conta Maria Célia. Mas, infelizmente, segundo ela, trata-se de uma cirurgia que não é acessível a todos. “Eu ganhei tanto a cirurgia quanto a prótese. E só tenho a agradecer, mesmo ainda tendo algumas dificuldades que são pertinentes, claro que com menos intensidade como derrubar o leite, o açúcar fora do copo [risos]. A gente vai se adaptando”, garante a deficiente visual.
Ela conta que, antes de operar, tinha “dores horríveis” no olho, porque o atrofiamento dele foi muito rápido. Quando essa atrofia ocorre, a dor é intensa. Ela já havia feito um transplante e duas cirurgias de catarata nele. Talvez por isso não tenha conseguido salvá-lo. E seu olho direito também tem retina descolada, e é transplantado pela segunda vez.
“O primeiro transplante fiz em 2012, além de duas cirurgias de catarata. Eu não enxergava praticamente mais nada. Estava com apenas 6% de visão, era impossível andar sozinha. Eu estava ficando cega total e cega por cega eu quis arriscar e fiz a cirurgia. Hoje eu uso óculos, lente e enxergo razoavelmente bem. Leio meio embaçadinho, mas leio. Só não dirijo, porque não tenho dinheiro para comprar um carro, tá? [risos]”, comenta brincalhona Maria Célia.

"O filho em primeiro lugar"

Lá atrás, mais ou menos nesse período de dezembro, Maria Célia fez sua primeira cirurgia de retina, que não obteve sucesso, e, 17 dias depois, ela perdeu completamente a visão após o descolamento total de vítreo, que é o que segura a retina. 
Segundo Maria Célia, infelizmente, não foi possível fazer outra cirurgia, uma porque na época nem tinha um retinólogo na cidade e também pelo fato dela não ter condições financeiras para fazer a vitrectomia em outro lugar. 
Não bastasse esse sofrimento, foi nessa mesma época que ela descobriu que seu filho era autista e tinha epilepsia sem controle. É, mãe não basta enxergar apenas com os olhos.  Existe antes o pulsar do coração!
“Nem preciso dizer né? Atender as necessidades dele era a minha prioridade”, acentua a mãe monocular.

Uma conquista "bem visível"

Quanto à Lei Municipal 10.275/2020, de 16/10/2020, de autoria do prefeito de Presidente Prudente, Nelson Roberto Bugalho (PSDB), Maria Célia exclama que “é fantástica”! A lei reconhece a visão monocular como deficiência sensorial do tipo visual, no município. “Em muitas cidades, em alguns Estados do Brasil, essa lei já está em prática. É uma grande conquista para muitas pessoas. No meu caso, somos dois deficientes em casa, eu e meu filho. Antes da lei ser sancionada eu já fazia uso da carteirinha de ônibus, por exemplo”, expõe. 
Sobre as dificuldades pela perda da visão, ela narra que são várias, dentre elas não ter noção de lateralidade, de profundidade, altura, etc. “Por exemplo, se vou descer uma escada, preciso ter o máximo de cuidado, porque senão eu caio. Até hoje eu trombo nas paredes, nos móveis, no início então, era uma cabeçada atrás da outra [risos]. Quem me acompanha na rua precisa estar sempre do lado direito [risos]”, brinca humorada Maria Célia.

Tabu entre os monoculares

Uma coisa curiosa que Maria Célia aponta é a questão de ela procurar outros monoculares em Prudente, inclusive em grupos pelas redes sociais, mas não os encontra. Sabe por quê? Porque, segundo ela, muitos ainda sentem insegurança, medo, vergonha de se manifestar. Vale a pena destacar na íntegra a fala, o conselho, o apoio desta mulher: “Ser monocular é uma deficiência? É gente, mas não é o fim do mundo. Somos assim e continuaremos sendo. É só mais uma coisa que teremos que nos adaptar como outras tantas. Não tenham vergonha de se aceitarem. Foi sofrido para mim? Foi demais, mas como eu disse, a prioridade era o meu filho. Acreditem, eu chorei muito, muito mesmo, mas nunca, nunca sofri nenhum tipo de preconceito ou indiferença. Uma criança chegar na gente e perguntar: ‘tia por que seu olho é assim?’... isso é natural gente, faz parte da inocência delas. Mas, eu também nunca fui de esconder ou ter vergonha da minha condição não, viu. Pelo contrário, eu brincava: ah sou cegueta mesmo, não vejo quase nada... Hoje, se eu tiver que tirar minha prótese e chegar alguém no meu portão, eu recebo sem problema algum. A única coisa que eu tinha medo era, por exemplo, ir a uma festa e, na hora de me servir, deixar a comida cair fora do prato. Aconteceu um episódio nesse sentido comigo sim, mas não tem nada a ver com monocular. Certa vez, no colegial, a professora de Geografia ordenou que copiássemos um mapa do Atlas. Então, pedi a ela se poderia fazer de dia, porque à noite eu não enxergava [na época era aquela luz amarela, sabe?] e ela respondeu: “se você não enxerga, o que vem fazer na escola?”. Essa foi a primeira e única vez que sofri um preconceito. E me doeu demais. Tanto que não consigo esquecer. Mas, depois, saí daquela escola e não voltei nunca mais”.

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