Em busca do elo perdido

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 17/10/2021
Horário 04:30

Este é o segundo ano consecutivo que comemoramos o Dia dos Professores distantes da sala de aula. Recebi muitas mensagens de ex-alunos, colegas de profissão e familiares, mas nenhuma manifestação foi capaz de preencher um vazio que fica no peito quando o espaço físico da escola deixa de ser a referência das nossas relações cotidianas. Refiro-me aos pequenos gestos, as trocas de olhar, o suspiro entre uma frase inacabada e o rabisco no quadro de giz, o pequeno detalhe que se alinhava de uma aula para a outra. Não tenho dúvidas que o professor é uma espécie de artesão que tece em conjunto com seus alunos um raro tapete persa, rico em detalhes que somente a convivência é capaz de completar.
Não é que deixamos de trabalhar durante estes tempos sombrios. Muito pelo contrário, arrisco a dizer que a jornada dos professores durante a pandemia quase dobrou porque o encontro com nossos alunos precisou acontecer de alguma forma (sabemos muito bem a que custo!). Dizem que a incorporação de ferramentas digitais e ambientes remotos acelerou cinco anos em poucos meses, mesmo às custas de deixar muitos alunos para trás e deteriorar a saúde mental da comunidade escolar…E, assim, completamos a travessia.
Já é muito tarde. Ouso desligar o computador. Ele foi meu companheiro de muitas horas de trabalho e vai saber esperar. Não vou deixar as ferramentas digitais mandarem em mim. Pelo contrário, elas continuarão a ser úteis, aliás como sempre foram quaisquer inovações tecnológicas em nossa eterna prática docente híbrida. Mas sinto uma sensação muito boa ao pegar a folha de papel em branco, apontar um lápis de ponta bem macia com o canivete que ganhei do meu avô quando ainda era criança (faço questão de guardar esta relíquia no estojo de madeira que eu usava na escola no 4º ano primário!). 
Subitamente, eu me lembrei da querida professora Ausonia Donato, com quem de fato aprendi o que é ser um professor. Para ela, o planejamento começa com um folha de papel e a nossa ousadia de deixar o grafite deslizar pela superfície em branco. Sim, porque o trabalho do professor é sempre proximal, como nas lições de anatomia nas quais a parte do corpo referida se situa mais próxima de um centro ou de uma linha mediana, mas sempre é intangível. Estou falando da minha necessidade de saber lidar com as percepções e opiniões já formadas e do constante processo de estranhamento que o trabalho do professor desperta em mim. Venham meus alunos…Vamos continuar a bordar nosso lindo tapete persa?
 

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