Jardim inglês

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 07/02/2021
Horário 05:20

Era o final do ano 2.000. Chegávamos no Aeroporto de Heathrow, em Londres. Muita neve e sete malas gigantes com a mudança da família. Tínhamos que nos deslocar até Bristol, cerca de 200 quilômetros da capital britânica, onde eu realizaria uma programação como visitante na universidade. Nosso destino final - Queen’s Road, uma estreita e pequena rua localizada na porção oeste de Bristol.

Aos poucos fomos nos ambientando na nova residência, fazendo amizades com vizinhos. Lembro-me de uma senhora muito simpática que morou a vida inteira na última casa da Queen’s Road. Ela havia nascido e ali permanecido depois do casamento. Vivia me perguntando qual era nosso país de origem. Para quem raramente saía da Queen’s Road (sua última visita à Londres havia ocorrido em 1966!), era quase inconcebível imaginar as razões de se atravessar o oceano com a família para visitar uma universidade. Eu ficava olhando para aquela senhora e me distraía com o jardim da casa dela. De fato, me incomodava todos os jardins das casas localizadas na Queen’s Road e adjacências. Com a neve, o vento e o frio, todas as plantas estavam secas, aparentemente mortas. E ninguém se incomodava com aquela aparência degradante.

Num belo dia ensolarado, eu resolvi tomar uma atitude. Fui até o mercado e comprei ferramentas e apetrechos de jardinagem. Mãos à obra! Retirei arbustos ressecados, arranquei o que supunha ser ervas daninhas, podei tudo o que estava ao meu alcance. Enquanto realizava essa árdua tarefa, percebi que muitos vizinhos me observavam discretamente das janelas. Deviam estar preocupados com a minha exposição ao frio, pensei comigo.

O tempo passou e eu me sentia orgulhoso de cuidar tão bem do jardim...até que chegou a Primavera. Subitamente, aqueles arbustos aparentemente sem vida desabrocharam num festival de cores com estupendas composições de flores, ervas nativas, gramados e elementos rupestres diversos. A única casa que não havia nada disso era a minha! E foi assim que eu conheci os famosos jardins ingleses, ricas paisagens formadas pela junção do acaso e da observação apurada.

Essa experiência foi tão marcante que, não por acaso, eu me apaixonei pela Evelane. A paisagista que conversa com as plantas, olha a direção do vento, fica atenta ao canto dos pássaros. Seus arranjos florais, aparentemente mal cuidados como os jardins ingleses, transformaram-se numa assinatura que tenta romper com a rigidez plástica dos espaços verdes. Obrigado, meu amor, seu talento me inspira novas formas de pensar, agir e de resistir aos “fins de mundos” característicos do nosso tempo.

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