Maria Rosa e Zebedeu

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 01/05/2022
Horário 06:07

Aristides era um homem simples, trabalhador, honesto e religioso e era casado com Noêmia. Faz sempre o sinal da cruz quando sai e vai para o trabalho como pedreiro autônomo. Noêmia exerce a profissão de doméstica na zona sul carioca. Vivem para o trabalho e para Deus, se preocupam com o futuro de sua filha, Maria Rosa, que tem apenas 14 anos. Menina moça, estudiosa e um orgulho do casal. Acreditam que a educação é o futuro pra mudar a sina de sua família de imigrantes nordestinos.
 O sonho de Maria Rosa, como todo adolescente, era ter um celular. Queria se conectar com o mundo na Favela do Livramento onde moram.  Todos os domingos vão na missa na Igreja Universal do Reino de Deus.  Acreditam que para vencer os demônios somente com orações. No dia de aniversário de 15 anos de Maria Rosa, seu grande sonho é realizado, ganha um celular do seu pai, que feliz lhe diz: "Minha filha, Deus tudo vê, nunca diga não pra ele". 
Num outro lado da roda da vida, vive Zebedeu. Cresceu sem pai e sem mãe dormindo nos becos, correndo nas vielas e cheirando crack, aprendendo desde muito cedo a profissão de marginal com Orlando Jogador, o Imperador do Morro. Frequenta o terreiro de macumba de Da. Analfabetina e sente que seu corpo é fechado por Ogum, o Deus da Guerra. O estômago sempre roncando de fome e a mente desocupada é um terreno fértil para o diabo ser seu mestre. Não sentia amor por nada, sua inocência foi mutilada e sacrificada em nome da violência, só sentia frustração e muita raiva por ser um pária da sociedade.  
Num dia de sol de domingo, Maria Rosa dá um beijo na face de sua mãe, abraça seu pai e diz: Vou na casa da Darli, mostrar o celular pra ela. Darli morava a cinco quadras da casa deles. Maria Rosa está usando uma bermuda jeans, camiseta branca e chinelos. Com os olhos grudados no celular, vai caminhando inocentemente pela calçada, conversando pelo WhatsApp. Vai andando sem olhar dos lados, sem prestar atenção em nada. 
Uma moto vai se aproximando, vai diminuindo a velocidade, vai se aproximando cada vez mais, vai diminuindo cada vez mais e para. Ela ouve uma voz ameaçadora: Me passa seu celular rápido. Maria Rosa fica assustada, sem reação, com medo e paralisada. A voz se torna mais agressiva: Me passa essa ‘p...’ logo. Maria Rosa continua sem reação. Zebedeu com suas pupilas dilatadas desce da moto e agarra forte na mão da menina assustada. Ela não quer largar seu sonho, afinal o suor sagrado do seu pai tem que ser respeitado. 
Zebedeu na madrugada tinha participado de um "bonde" no Morro dos Macacos para matar o chefe do tráfico Zóio de Cobra, sua motivação estava cheia de pó e ele tira seu revólver 38, queria intimidar a menina que apavorada grita por socorro. Deus e o diabo disputam o coração desse adolescente que está exilado e preso nos porões da maldade. As pessoas do morro começam a se aproximar. Zebedeu se sente poderoso, seu corpo é fechado por Ogum, o povo vai se aproximando quando um disparo é ouvido. Maria Rosa cai no chão, seu sonho está nas mãos de Zebedeu, que monta rapidamente na moto, tenta fugir e cai na rua, tenta correr e os populares gritam: Pega esse filho da “p...”. 
A raiva não tem fim e a indignação ronca forte como um som de uma cuíca. Zebedeu é morto a pauladas como um cachorro sem dono. Na lápide de Maria Rosa, estava escrito: "Deus tem um jardim na Terra, sempre que ele quer colher algumas flores, colhe a mais bonita". Zebedeu foi enterrado numa cova rasa onde se enterra os indigentes. Não teve orações, nem cruz, nem nada escrito. Dizem que ele gostava de cantar “O mundo é um moinho”, de Cartola.

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