Meu nome é ninguém

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 29/05/2022
Horário 07:08

Eu não quero contar a minha história, por que insiste? Quem vai querer se interessar pela vida de um cara pobre? Não há vida, só sobrevivência e muita resistência. Fui levado a sair de casa com o bolso cheio de reclamações, sonhando com nada. Quer ainda escrever sobre mim? Deixei a minha casa ainda menino, andando no meio de estranhos, meu coração tremia de frio e de medo. Como os restos de comida dos restaurantes ou dos lixos e vivo no meio dos esfarrapados dormindo nos parques coberto por jornais.  
Recebo convites das prostitutas nas ruas sujas da cidade grande e confesso que muitas vezes eu aceito para sentir o calor do toque humano. Não tenho roupa de frio, o inverno está chegando e ainda não consegui emprego.  Consegui mandar uma carta para minha mãe e disse que estava feliz, ela acreditou porque queria acreditar. Perguntei dos meus irmãos e do meu pai quando liguei do telefone público e ela mentiu dizendo que estava tudo bem e eu quis acreditar. Os momentos são muito solitários. 
Ando com uma ex Dra. que se chama Irene, uma viciada em crack. A Irene é uma boa pessoa, nós cuidamos um do outro. Ela era muito bonita e tenta me dar esperança: "Verás que um dia tudo pode mudar", diz ela. São versos de uma música italiana, “Vedrai,Vedrai” (“Verás, Verás”), cujo cantor se chamava Luigi Tenco, se suicidou ainda muito jovem. Ela lembra do seu pai dançando com sua mãe na sala da sua casa como dois apaixonados e sempre fala dessa música. Sente a sensação do seu tempo de criança e um sorriso inocente aparece no seu rosto magro. Outras vezes sente o abandono e chora. Sofreu uma desilusão que massacrou seus sonhos. Achou que a vida seria igual à dança apaixonada dos seus pais.  
Eu a abraço como se fossemos dois irmãos perdidos numa noite suja, dançando a dança da solidão. Ela sempre canta esses versos buscando esperança. Abandonou sua família e perdeu tudo para as drogas. Juntamos nossas tristezas e embalamos em sacos de solidão e vamos carregando sentindo seu peso duro. Tenho raiva e vergonha, ela também. Peço pra vida não me sangrar mais. 
O Paulo Jamanta, um negro que foi ex-boxeador, fica socando o ar imaginando que está disputando algum título. A gente dá a maior força dizendo: Você é o nosso campeão. Um pobre coitado que vive agarrado nas suas luvas e que sonhou em ser campeão. O boxe poderia lhe colocar longe da miséria mas a realidade foi mais forte e o nocauteou. Não exija consciência política e nem social, o mundo tem uma cara muito feia para um cara pobre como eu. Estou com saudades de casa e apesar das dificuldades que vivíamos, tinha o carinho da minha mãe e o olhar cansado, mas esperançoso de meu pobre pai. Me desculpe o desabafo mas tenho que ir, vou  tomar a sopa dos mendigos. Ainda quer saber da minha história? Quer saber o meu nome? Meu nome é ninguém.
 

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