___ O que os trazem ao consultório? Pergunta o psiquiatra.
A mãe responde com certa aflição:
___ Então doutor, meu filho tem ficado muito tempo na internet e no celular, e para falar a verdade, isso nunca me pareceu um problema, estamos todos assim não é mesmo? Contudo, nos últimos tempos, ele tem relatado algumas coisas que me fizeram ficar preocupada.
O menino olhava para baixo e evitava olhar o médico nos olhos. A mãe continuava falando enquanto o psiquiatra olhava para ela e para o jovem na sua frente.
___ Continue, ele disse.
___ Pois bem doutor, primeiro foi uma coisa de querer ser animal, acho que therian é o nome disso, sabe doutor, ele queria se comportar como nossos gatos, dormindo o tempo todo, sempre com preguiça, largado pelos cantos da casa. Bem, achamos, meu marido e eu, que se tratava de uma desculpa para não fazer suas tarefas escolares, bem como os afazeres domésticos que eventualmente nós pedimos que ele faça. Entretanto, esse comportamento parece ter piorado, muito embora, essa coisa de querer ser gato parece ter sido superada.
___ Bem, se a questão foi superada então não temos um problema clínico, não é mesmo? Perguntou o psiquiatra, enquanto o jovem paciente continuava de cabeça baixa, aparentemente em outra dimensão. A mãe continuou:
___ Pois é doutor, seria bom se assim fosse, mas acontece que agora Gustavinho veio com a ideia de que ele é um micro-ondas. Um micro-ondas, como isso é possível? O médico parecia não acreditar e embora estivesse surpreso, manteve a postura serena.
___ Um micro-ondas? Mas essa é uma novidade sem precedentes. Como assim? Acostumado a patologias clínicas de naturezas variadas e complexas, nem mesmo o psiquiatra conseguiu conter sua surpresa. Mas, como você pode querer ser um eletrodoméstico e um micro-ondas, ainda por cima? Existe alguma razão específica para esse desejo?
A mãe tentou falar alguma coisa, mas foi silenciada pelo médico que a com a mão a impediu de começar a explanar seu ponto de vista. Virando-se para o jovem com olhar inquiridor, todos aguardavam alguma resposta, razoável, do paciente. Esse continuava impassível e não parecia disposto a se explicar. Houve certo constrangimento diante do silêncio absoluto diante da inusitada situação.
O jovem então resolveu falar:
___ A minha mãe não me entendeu, e não quero ser um micro-ondas, mesmo porque, isso seria impossível e mesmo se fosse, não é bem essa a questão. Acontece que não me identifico com a vida humana e gostei de ser gato naquele período. Mas, depois de ter essa experiência, eu percebi que não era exatamente assim que eu me sentia. Desde então, procurei outras formas de manifestar aquilo que gostaria de ser e de repente entendi que me identifico profundamente com esse incrível objeto e tem mais, eu digo isso com tranquilidade, uma vez que vejo nesse objeto um sentido para a vida que eu não havia encontrado antes.
A mãe olhava para o filho com espanto, talvez nunca tenha visto ele se expressar dessa forma, aos poucos começou a chorar baixinho, discretamente, por fim, perguntou, o que faço doutor?